Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e Presidente da Academia Paulista de Letras
RESPONSABILIDADE CIVIL É COISA SÉRIA
Dois eventos recentes mostram a gravidade que casos de responsabilidade civil podem ter. 16 de Abril de 2021Dois eventos recentes mostram a gravidade que casos de responsabilidade
civil podem ter. O primeiro foi a interrupção da navegação no Canal de Suez em
virtude do encalhe de um supercargueiro que bloqueou o canal, impedindo a
passagem de outras embarcações durante seis dias. E o segundo é a decisão do
Japão de não permitir a viagem de turistas internacionais para assistirem os
Jogos Olímpicos, previstos para acontecerem no país e adiados desde o ano
passado.
Os dois eventos têm como consequência prejuízos de vulto, que podem
resultar em indenizações milionárias a serem pagas pelos respectivos
responsáveis. No primeiro caso, o dano foi causado pelo navio que bloqueou o
canal, impedindo a circulação de 12% das cargas transportadas pelo mundo. No
segundo, a decisão de proibir a entrada dos turistas foi do governo japonês. Mas
será que são eles que devem pagar os danos causados a terceiros em função de
suas ações?
As causas que levaram ao encalhe do supercargueiro e à interrupção do
tráfego de embarcações por uma das rotas de transporte mais importantes do
planeta ainda não estão claras. Pode ter sido o vento forte, como pode ter sido
falha do equipamento ou falha humana. As consequências do acidente e a
obrigação de indenizar podem variar bastante em função da correta determinação
da origem do acidente.
Se o navio encalhou independentemente de falha humana ou falha de
equipamento, se o acidente se deu por causa do vento, considerado caso fortuito
ou força maior (Act of God em inglês), a responsabilidade não pode ser
atribuída a falha humana e isto leva à pergunta: se não houve falha humana,
alguém tem que indenizar?
Importante ressaltar que os seis dias que o navio esteve encalhado
geraram prejuízos astronômicos, na casa dos cinquenta e seis bilhões de
dólares, apenas pela suspensão do tráfego de embarcações pelo Canal de Suez.
Este número deve crescer à medida que forem apuradas as demais perdas
decorrentes do acidente, como atrasos, perda de produção, perda de mercado,
perda de negócios, de oportunidade, etc. Além, evidentemente, dos lucros
cessantes diretos e indiretos gerados pela interrupção da navegação no canal.
Se o responsável pelos danos não tiver um seguro de responsabilidade
civil robusto estará com um enorme problema. E aí vem o complemento da pergunta
acima: supondo que a obrigação de indenizar se baseie na responsabilidade
objetiva do navio (quando não é necessária a culpa) ou que o dano tenha sido
causado por falha dos equipamentos ou falha humana, quem é o responsável pelo
acidente? O proprietário, o operador, o armador ou todos os três? Cinquenta e
seis bilhões de dólares prometem uma longa discussão, exceto se houver um
seguro indiscutivelmente bem contratado.
No segundo caso, a proibição da viagem de turistas internacionais para
assistirem os Jogos Olímpicos no Japão tem como base a pandemia do coronavírus.
Será que isso poderia ser alegado como caso fortuito ou de força maior?
A pandemia não é um evento recente e a decisão foi tomada pelo governo
japonês. Será que há reponsabilidade dos organizadores dos jogos? Será que o
Comitê Olímpico japonês pode ser cobrado pelos prejuízos decorrentes da
suspensão das viagens para o Japão? Quem deve arcar com o reembolso dos
ingressos? Quem deve responder pelos prejuízos com o cancelamento das passagens
aéreas e dos hotéis? Quem deve reembolsar os turistas? Será que deve haver
ressarcimento para os lucros não havidos em função dos jogos não acontecerem?
São questões complexas e, mesmo que os Jogos Olímpicos estejam segurados –
como com certeza estão –, as seguradoras não têm a menor intenção de pagar mais
do que o efetivamente coberto pelas suas apólices. E quantificar corretamente
os prejuízos decorrentes da decisão do governo japonês não é uma tarefa fácil.
Assim, tanto no acidente com o navio no Canal de Suez, como na proibição
dos turistas viajarem para o Japão para assistir os Jogos Olímpicos, até se
chegar no final da longa linha de indenizações ainda vai levar um bom tempo.