Antonio Penteado Mendonça
Antonio Penteado Mendonça

Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e Presidente da Academia Paulista de Letras

RESPONSABILIDADE CIVIL É COISA SÉRIA

Dois eventos recentes mostram a gravidade que casos de responsabilidade civil podem ter. 16 de Abril de 2021

Dois eventos recentes mostram a gravidade que casos de responsabilidade civil podem ter. O primeiro foi a interrupção da navegação no Canal de Suez em virtude do encalhe de um supercargueiro que bloqueou o canal, impedindo a passagem de outras embarcações durante seis dias. E o segundo é a decisão do Japão de não permitir a viagem de turistas internacionais para assistirem os Jogos Olímpicos, previstos para acontecerem no país e adiados desde o ano passado.

Os dois eventos têm como consequência prejuízos de vulto, que podem resultar em indenizações milionárias a serem pagas pelos respectivos responsáveis. No primeiro caso, o dano foi causado pelo navio que bloqueou o canal, impedindo a circulação de 12% das cargas transportadas pelo mundo. No segundo, a decisão de proibir a entrada dos turistas foi do governo japonês. Mas será que são eles que devem pagar os danos causados a terceiros em função de suas ações?

As causas que levaram ao encalhe do supercargueiro e à interrupção do tráfego de embarcações por uma das rotas de transporte mais importantes do planeta ainda não estão claras. Pode ter sido o vento forte, como pode ter sido falha do equipamento ou falha humana. As consequências do acidente e a obrigação de indenizar podem variar bastante em função da correta determinação da origem do acidente.

Se o navio encalhou independentemente de falha humana ou falha de equipamento, se o acidente se deu por causa do vento, considerado caso fortuito ou força maior (Act of God em inglês), a responsabilidade não pode ser atribuída a falha humana e isto leva à pergunta: se não houve falha humana, alguém tem que indenizar?

Importante ressaltar que os seis dias que o navio esteve encalhado geraram prejuízos astronômicos, na casa dos cinquenta e seis bilhões de dólares, apenas pela suspensão do tráfego de embarcações pelo Canal de Suez. Este número deve crescer à medida que forem apuradas as demais perdas decorrentes do acidente, como atrasos, perda de produção, perda de mercado, perda de negócios, de oportunidade, etc. Além, evidentemente, dos lucros cessantes diretos e indiretos gerados pela interrupção da navegação no canal.

Se o responsável pelos danos não tiver um seguro de responsabilidade civil robusto estará com um enorme problema. E aí vem o complemento da pergunta acima: supondo que a obrigação de indenizar se baseie na responsabilidade objetiva do navio (quando não é necessária a culpa) ou que o dano tenha sido causado por falha dos equipamentos ou falha humana, quem é o responsável pelo acidente? O proprietário, o operador, o armador ou todos os três? Cinquenta e seis bilhões de dólares prometem uma longa discussão, exceto se houver um seguro indiscutivelmente bem contratado.

No segundo caso, a proibição da viagem de turistas internacionais para assistirem os Jogos Olímpicos no Japão tem como base a pandemia do coronavírus. Será que isso poderia ser alegado como caso fortuito ou de força maior?

A pandemia não é um evento recente e a decisão foi tomada pelo governo japonês. Será que há reponsabilidade dos organizadores dos jogos? Será que o Comitê Olímpico japonês pode ser cobrado pelos prejuízos decorrentes da suspensão das viagens para o Japão? Quem deve arcar com o reembolso dos ingressos? Quem deve responder pelos prejuízos com o cancelamento das passagens aéreas e dos hotéis? Quem deve reembolsar os turistas? Será que deve haver ressarcimento para os lucros não havidos em função dos jogos não acontecerem?

São questões complexas e, mesmo que os Jogos Olímpicos estejam segurados – como com certeza estão –, as seguradoras não têm a menor intenção de pagar mais do que o efetivamente coberto pelas suas apólices. E quantificar corretamente os prejuízos decorrentes da decisão do governo japonês não é uma tarefa fácil.

Assim, tanto no acidente com o navio no Canal de Suez, como na proibição dos turistas viajarem para o Japão para assistir os Jogos Olímpicos, até se chegar no final da longa linha de indenizações ainda vai levar um bom tempo.