Brasil deixa de cumprir compromisso de redução de 50% das mortes no trânsito
O Brasil ficou longe de cumprir a meta da Organização
Mundial de Saúde de reduzir em 50% o número de mortes em acidentes de trânsito
de 2009 a 2019. Considerando apenas as rodovias, o País teve diminuição nos
óbitos de pouco mais da metade desse objetivo, apesar da queda acentuada
sobretudo depois da promulgação da Lei Seca e da obrigatoriedade do uso de
cadeirinha para as crianças.
Um novo mapeamento feito pela agência 360º CI para a
Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), com base em dados da
Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da agência 360, revela que entre 2009 e 2019
foram relatados nas estradas federais 1.507.645 de acidentes e 79.085 mortes.
Dados preliminares de 2020 indicam pelo menos 5,3 mil mortos, apesar da redução
de tráfego causada pela pandemia. “Embora o número de acidentes tenha caído
significativamente, se pudéssemos aplicar a meta da ONU só às estradas, ainda
assim o Brasil estaria em desvantagem. Conseguimos baixar apenas 26% das mortes
nas rodovias”, afirmou o diretor científico da Abramet, Flávio Adura.
“Projetando a expectativa da ONU, era de se esperar que o número de vítimas não
ultrapassasse 3,6 mil.”
As principais causas de fatalidades são evitáveis.
“Observamos redução consistente do número de mortos”, admite Adura. “Mas o
Brasil continua sendo o quarto país do mundo com o maior número absoluto de
mortes, atrás só de China, Índia e Nigéria. Nos chamados países em
desenvolvimento os acidentes com mortes são muito mais prevalentes. Isso ocorre
porque pelo menos metade da mortalidade vem dos chamados ‘vulneráveis do
trânsito’: pedestres, motociclistas e ciclistas.”
Entre as maiores vítimas estão as crianças. Os acidentes de
trânsito são a principal causa de morte de 0 a 14 anos. A obrigatoriedade da
cadeirinha e do cinto no banco de trás até melhorou a perspectiva – segundo a
OMS, isso reduz em até 60% a chance de óbito.
Mas, segundo os especialistas, é possível fazer mais. “Ainda
nos preocupa muito o uso crescente de patinetes, que são muito perigosos”,
afirma o pediatra Abelardo Bastos Pinto Junior, presidente do Departamento
Científico de Saúde Escolar da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio. “E há a
forma irreverente com a qual muitos costumam dirigir. Acho que seria importante
ter campanhas de conscientização dentro das escolas, ao longo da formação do
estudante.”
Riscos
O mapeamento se divide em dois momentos. Entre 2009 e 2014,
houve, em média, 180 mil acidentes por ano. Entre 2015 e 2019, ficou em torno
de 86 mil casos anuais, em média. No topo da lista das causas de acidentes
aparece a falta de atenção, anotada como causa provável em 38,5% dos acidentes.
Na segunda posição está a velocidade excessiva para determinados trechos, com
9,4% dos registros.
Destaca-se, ainda, o fato de que em 24,7% dos casos as
causas permanecem indefinidas. “Um terço dos motoristas dirige distraído,
conversando, vendo a paisagem e, muitas vezes, falando no celular e mandando
mensagens. Mas a falta de atenção também pode estar relacionada a doenças e ao
uso de medicamentos que podem causar sedação ou sonolência. Problemas
cognitivos, como o Alzheimer, também podem provocar falta de atenção. Sem falar
no uso de drogas para viagens mais longas (sobretudo entre motoristas
profissionais)”, pontua Adura.
Outro problema frequente é o excesso de velocidade.
“Trabalhos científicos sobre a tolerância humana a impactos mostram que em um
acidente envolvendo um veículo viajando a até 30 km/h a chance de sobrevivência
dos envolvidos em atropelamento ou colisão é de praticamente 100%”, explica o
presidente da Abramet, Antonio Meira Jr. “Mas a partir de 50 km/h, a chance de
um vulnerável (pedestre, motociclista ou ciclista) morrer é de 100%.”
O álcool surge numa categoria à parte – sua ingestão,
conforme a OMS, é causa de até 35% dos acidentes mais graves. São as
ocorrências que deixam mais mortos e mais pessoas com sequelas graves. “Não é
só uma questão de perder os reflexos, o que já seria grave”, explica Adura. “O
álcool interfere na direção, na perda da noção de velocidade, na perda da visão
lateral. Além disso, torna a pessoa mais agressiva. Em um acidente, aqueles que
estão alcoolizados são sempre os que têm mais chances de morrer, seja pela
própria reação no momento do acidente, seja depois, no hospital, pelas
condições médicas.”
Presidente da Associação Brasileira de Psicologia de
Tráfego, Patrícia Sandri complementa, ressaltando que “até 90% dos acidentes
são causados por falhas humanas”, diz. Uma forma complementar de evitar os
efeitos mais graves dessas falhas, segundo o presidente da Abramet, seria ter
estradas inteligentes, como algumas da Europa. “Já sabemos que todo ser humano
comete erros. Então deveríamos projetar as vias pensando nessa possibilidade,
como na Suécia”, diz Meira Jr. “As estradas brasileiras são péssimas, mal
planejadas, têm sinalização inadequada, iluminação insuficiente e são mal
conservadas.”