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‘Seguradoras têm pouca exposição ao coronavírus’ , diz executivo da Mapfre

“É muito raro no mercado contratos com previsão de cobertura para epidemias”

Valor Econômico - 10 de Março de 2020

O coronavírus terá impacto limitado sobre o setor de seguros no mundo, avalia o CEO global de grandes riscos da Mapfre, Bosco Francoy, em entrevista ao Valor Econômico. O executivo explica que eventos como a disseminação da doença “não geram um fato coberto pelas apólices” na área de grandes riscos, como no caso de desastres naturais.

“É muito raro no mercado contratos com previsão de cobertura para epidemias”, afirma o especialista. Desse modo, mesmo em caso de evolução para uma pandemia de grandes proporções, o valor de eventuais indenizações tende a ser baixo justamente pela pequena previsão desse tipo de proteção.

Conforme o especialista, “provavelmente no ano que vem as empresas comecem a demandar coberturas para epidemias”, o que hoje é algo raro. Mesmo no caso de seguros de vida, saúde ou viagem, as estatísticas ainda não mostram grande impacto do coronavírus em termos de sinistros. Isso porque, explica o executivo, os produtos já cobrem um grande número de situações e, apesar da aceleração dos casos, o momento atual da doença Covid-19 ainda representa parcela pequena dentro do universo dessas coberturas.

Na avaliação de Francoy, o maior impacto do coronavírus tenderia a ser indireto. Se houver uma desaceleração econômica no mundo e muitas empresas paralisarem o funcionamento, a indústria de seguros tende a sentir a queda de demanda, assim como outros setores. “Mas ainda não enxergo potencial catastrófico neste momento para o coronavírus.”

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: Qual o impacto do coronavírus sobre o setor de seguros?

Bosco Francoy: O impacto não será diferente do que ocorreu em outras epidemias no passado. As apólices de ‘property’, que são aquelas que cobrem desastres naturais, têm uma cobertura específica para um evento como o coronavírus, porque epidemia é um fator imponderável que não gera um risco coberto pela apólice. O surgimento de uma doença pode levar a uma queda na produção, mas isso não ativa o seguro. Não do mesmo jeito que uma catástrofe natural, que gera cobertura de perda de lucro, por exemplo. No caso do coronavírus, os efeitos da doença vão avançando gradualmente e não necessariamente vão gerar um fato concreto, direto, como um desastre. Temos clientes que compraram limite para casos como epidemias, mas é muito raro no mercado ter essas coberturas. E no Brasil é exatamente igual.

Valor: E em relação a produtos como seguro de vida ou saúde o impacto pode ser maior?

Francoy: É muito recente para a gente ter uma avaliação sobre todos os impactos. O risco cibernético e do seguro de vida, em termos de conceito, é similar ao da pandemia. Em vida, a gente sabe que haverá um sinistro e só não consegue medir quando vai ocorrer. São semelhantes porque não são sinistros de danos diretos. Os clientes podem sofrer com isso, ter problemas na operação, e isso também afeta indiretamente as operações de seguros.

Valor: O custo do seguro viagem, entre outros, está aumentando?

Francoy: Por enquanto, baseado nos números que a gente está vendo, o coronavírus não tem tido um impacto maior do que outras doenças. E não deveria ter um impacto específico sobre os preços dos produtos. Claro que se o cenário piorar muito a precificação poderia ter um custo adicional, mas pelo que a gente tem em cima da mesa é difícil ver que o coronavírus vai ser mais perigoso que outras doenças. Já houve na China o surto de gripe aviária, Sars e o de H1N1, ou seja, já tivemos no passado casos similares e que não causaram um custo adicional ao preço do seguro.

Valor: A demanda por cobertura de epidemias tende a aumentar?

Francoy: Não duvido que daqui para a frente, uma vez que o surto tenha desaparecido, vai aparecer demanda para cobertura desses casos. Mas ainda não enxergo potencial catastrófico neste momento do coronavírus.

Valor: Quais os novos riscos na visão das empresas?

Francoy: Quando a gente vê os rankings das preocupações das companhias, além do ciber, existe, na verdade, algum retorno aos riscos tradicionais. Risco de catástrofe continua a ser importante, a perda de lucro continua a ser uma das maiores preocupações dos clientes, interrupção da cadeia de distribuição também. Talvez no ano que vem o risco de uma pandemia entre nos primeiros lugares. Mas esse risco já aparece entre os dez primeiros nos últimos anos. Em termos de riscos novos, as preocupações ambientais assumiram o topo. A reputação também é algo com que hoje as empresas se preocupam mais. Há ainda casos como o da aviação, que sofre com poucos atores ofertando capacidade de cobertura. É um mercado que tem tido resultados negativos nos últimos anos. Em 2019, houve dois grandes acidentes e devido a isso os aviões 737 Max da Boeing ficaram parados. Isso atingiu fortemente esse mercado. Nesse caso da aviação teve alguma mudança na necessidade de cobertura. No caso do ciber a demanda é cada vez maior e o mercado de seguros está descobrindo como dar cobertura para esses riscos. Originalmente a gente tinha uma visão de um risco individual, mas hoje temos a noção de que o risco do ciber pode ser catastrófico, porque pode não só afetar uma empresa, mas todo um setor ou até um país. O potencial de catástrofe nesse risco é muito maior. ]

Valor: Qual a maior preocupação hoje das empresas em termos de vulnerabilidades?

Francoy: Hoje o risco cibernético é a principal preocupação das empresas, sem considerar o momento atual do coronavírus. Muitas empresas continuam a olhar mais o risco físico do que o digital. Por exemplo, há muitas empresas que têm câmeras espalhadas pelos andares para inibir furtos de equipamentos. Mas essa medida está expondo senhas e informações dos colaboradores, porque hackers podem acessar o circuito de imagens e ver as pessoas digitando. Muitos negócios hoje são, basicamente, dados e informação.

Valor: O mundo está ficando mais perigoso?

Francoy: Minha visão é mais de estabilidade. Os riscos evoluem, mas, de forma geral, não tem uma mudança na frequência dos eventos. Em alguns setores os custos de reparação de sinistros são maiores. Na indústria de aviação os equipamentos são cada vez mais sofisticados e os custos para reparar uma aeronave são maiores do que há dez anos por causa da tecnologia. As indústrias têm produtos e estoque de valor agregado muito alto em pequenas quantidades. Por exemplo, tivemos um sinistro de uma caixa com alguns medicamentos que valiam R$ 700 mil. Ou seja, uma concentração de valor. No setor de automóveis isso aconteceu também, porque o uso de tecnologia diminuiu o número de sinistros mas quando tem um sinistro o valor é bem mais elevado. As frequências podem ter mudado, mas os custos de reposição foram ampliados. No caso das mudanças climáticas, os estudos que abrangem um período desde os anos 1950 mostra que os sinistros ainda não saíram das médias. Os impactos hoje de furacões e terremotos estão dentro das médias em termos de custos de danos. O que tem acontecido é que, como existe uma penetração de seguros maior, o custo de indenizações também é maior, mas as frequências dos eventos continuam dentro das médias.

Valor: A Mapfre tem identificado novos segmentos de produtos?

Francoy: Os drones, por exemplo, são cada vez mais usados para inúmeras funções. É um novo aparelho que tem se tornado mais acessível às empresas e pessoas. Olhando para esses usuários, a Mapfre desenvolveu um produto, uma nova cobertura, com modelo ‘on/off’. O cliente pode contratar o seguro e liga a proteção quando está usando o drone e desliga quando não está usando. Estamos lançando esse produto no Brasil com foco em drones de utilização profissional. Estimamos que existam cerca de 7 mil aparelhos com esse perfil no país, que têm sido usados para substituir tarefas antes feitas por helicópteros e aeronaves, como filmagens aéreas e monitoramento de áreas agrícolas. É um seguro de danos aos aparelhos e cobertura para terceiros.