Artigo: Cuidado com o bumerangue na saúde
Por Antonio Penteado Mendonça, no Estadão
Na semana passada eu respondi ao diretor executivo do
Procon-SP, Dr. Fernando Capez, que o reajuste dos planos de saúde privados
poderia se transformar num bumerangue, que volta contra a cabeça de quem o
arremessou. O tema é muito delicado, e existe a possibilidade de acontecer mais
rapidamente do que se pensa.
Não estou colocando em xeque a metodologia da Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ela seguiu as regras estabelecidas e
aplicou o reajuste negativo resultante da equação. Até aí tudo bem, se
estivéssemos num momento normal. Acontece que não estamos, e o resultado da
conta da ANS reflete as distorções decorrentes da pandemia e seu impacto sobre
a sociedade brasileira.
Ao longo de 2020, houve uma retração no uso dos planos de
saúde privados. Em função do medo da covid-19, as pessoas deixaram de usar seus
planos, postergando consultas, tratamentos e cirurgias não emergenciais que,
numa época normal, teriam sido realizados dentro da rotina, cobrando dos planos
de saúde privados os custos diários de sua operação.
Mas esses procedimentos não terem sido realizados não
significa que não o serão. A imensa maioria dos procedimentos cobertos pelos
planos de saúde privados são intervenções necessárias para garantir a saúde de
seus beneficiários. Sejam exames de rotina, tratamentos médicos ou cirurgias
eletivas, o fato de poderem ser adiados não quer dizer que não tenham que, em
algum momento, ser feitos. E eles serão feitos. Aliás, já estão sendo
agendados, o que pode ser verificado pelo recente aumento das despesas operacionais
dos planos privados.
Além disso, a rotina do tratamento da saúde está voltando ao
normal. Os hospitais da rede pública e privados começam a viver a mudança do
público, trocando as vítimas da covid-19 por pacientes portadores de outras
doenças, não relacionadas à pandemia. Da mesma forma, consultas, exames e
tratamentos represados até agora também voltam a ser agendados, aumentando a
média diária dos procedimentos atendidos, ou seja, colocando pressão no seu
caixa.
É importante lembrar que a crise anterior à pandemia, da
qual o Brasil começava a sair no começo de 2020, atingiu os planos de saúde
privados de forma pesada, com a exclusão de mais de 3 milhões de pessoas do rol
de segurados.
Eram 50 milhões de beneficiários, caiu para 47 milhões, e
agora são 48 milhões de pessoas atendidas. Esse movimento diminuiu o
faturamento das operadoras, algumas das quais, justamente pela queda da demanda
em 2020, não tiveram problemas de caixa.
Ainda faltam 2 milhões de segurados para voltar ao nível de
2015. Isto significa uma queda de faturamento, por baixo, de mais ou menos R$
600 milhões por mês, ou R$ 7,2 bilhões por ano. De outro lado, em 2021, os
planos devem fazer frente às despesas normais do ano, acrescidas dos
procedimentos represados pela pandemia. É aí que mora o perigo de um reajuste
negativo da ordem de mais de 8%.
Com o faturamento já deprimido pela perda de beneficiários,
com o aumento dos custos em função do agendamento dos procedimentos
postergados, determinar uma redução dessa ordem no custeio do sistema pode ser
um tiro no pé.
Volto a insistir, se a melhora dos resultados em 2020 fosse
decorrente de fatores normais da vida de uma nação, não haveria razão para o
reajuste negativo não ser concedido aos planos individuais e para os aumentos
dos planos coletivos não serem severamente questionados. Acontece que não foi
isso que aconteceu. O resultado melhorou porque a pandemia do coronavírus
atingiu o Brasil de forma brutal, matando mais de 500 mil pessoas até agora, o
que fez os beneficiários dos planos adiarem o seu uso. Mas adiar não quer dizer
cancelar.
Mais uma vez, não discuto os porcentuais a serem aplicados,
nem a necessidade de se conhecer detalhadamente a estrutura de custos e
reajustes dos planos coletivos. Apenas lembro que se trata de uma distorção
extraordinária, que, se for tratada como rotina, pode acabar mal.