‘Covid longa’ influencia resultado das seguradoras
Balanços do terceiro trimestre revelaram a complexidade dos impactos da pandemia para o mercado
Valor Econômico - 30 de Novembro de 2021Os balanços do terceiro trimestre revelaram a complexidade dos impactos da pandemia para a indústria de seguros. Mesmo em um cenário de normalização das atividades e tendência de queda de internações e óbitos, os efeitos colaterais da crise mantiveram custos do setor sob pressão. Ainda que a segunda onda comece a ficar no retrovisor, as companhias agora têm de gerenciar as consequências da crise sanitária e econômica. A pandemia deixou sintomas de uma espécie de “covid longa” como herança, além de dúvidas sobre o impacto de novas variantes, como a ômicron.
As seguradoras agora têm de lidar com questões como o
aumento de eventos médicos que haviam sido adiados no ano passado devido às
medidas de isolamento, a alta de preços de automóveis usados, o crescimento de
acidentes com a retomada da mobilidade, e até mesmo uma subida de saques em
produtos de previdência privada, de clientes com rombos no orçamento.
O caso da pressão inflacionária sobre veículos usados é
emblemático de como a pandemia deixou um legado mais complexo que o esperado.
Como a cadeia de suprimentos para as montadoras tem passado por problemas de
abastecimento de componentes, a produção de automóveis novos tem sido
insuficiente para atender a procura por veículos, que, por sua vez, vem
aumentando em meio à normalização das atividades. Com isso, o excesso de
demanda migra para o mercado de usados.
“Houve um dos maiores aumentos da série histórica na tabela
Fipe [referência usada pelo mercado para valores médios de veículos usados] em
20 anos com subida de 20% em média e isso já está afetando a sinistralidade”,
afirmou o diretor de seguros da Porto Seguro, Marcelo Picanço, em
teleconferência sobre os resultados do terceiro trimestre.
A sinsitralidade geral da seguradora - índice que representa
a relação entre as receitas com prêmios e despesas, incluindo os sinistros -
ficou em 50,8% no terceiro trimestre deste ano, 6,4 pontos percentuais mais
elevada do que no segundo trimestre e 8,1 pontos superior ao período de julho a
setembro de 2020. O índice combinado, uma medida de eficiência, que representa
a relação entre os custos gerais e as receitas totais, alcançou 92,8% no
terceiro trimestre de 2021. Trata-se de um crescimento de 6,7 pontos
percentuais sobre o mesmo período de 2020.
Outro sintoma sentido pelo setor aparece na área de seguro
saúde. Procedimentos adiados devido à pandemia agora começam a voltar também
diante de uma retomada da vida normal. Na SulAmérica, que tem no seguro saúde
seu principal produto, a pressão desses eventos represados impediu uma queda
mais acentuada da sinistralidade. A seguradora, porém, tem motivos para
respirar mais aliviada desde o terceiro trimestre. O peso da covid-19 sobre os
custos da companhia diminuiu muito desde a segunda onda, concentrada entre
abril e junho deste ano. “Hoje temos 159 pessoas internadas e já tivemos mais
de 3 mil usuários internados em função de covid-19”, afirmou a vice-presidente
de saúde e odonto, Raquel Giglio, a analistas.
Apesar da tendência de queda, a sinistralidade geral da
companhia permaneceu elevada no terceiro trimestre de 2021, quando confrontada
com o mesmo período de 2020. Há um ano era 9,4 pontos percentuais menor. Na
comparação com o segundo trimestre, o indicador recuou 1,3 ponto percentual
para 84,6%. A SulAmérica pagou mais de R$ 2,1 bilhões desde março de 2020 para
custear tratamentos e indenizações às vítimas da doença. “Foram R$ 1,5 bilhões
apenas em 2021”, acrescentou Giglio.
A “covid longa” do setor de seguros também tem afetado
holdings mais diversificadas como BB Seguridade, Caixa Seguridade e Bradesco
Seguros. Isso porque o cenário macroeconômico tem reflexos na previdência
privada. A crise econômica trazida pela pandemia e pela inflação alta, que, em
boa parte está relacionada aos efeitos das medidas para debelar a covid-19,
afeta os planos de acumulação.
Usuários têm ampliado os saques de seus VGBLs e PGBLs em
busca de recursos para pagar dívidas, contas e até investir em imóveis. A BB
Seguridade registrou saques líquidos de R$ 1,2 bilhão nos planos de previdência
privada no terceiro trimestre de 2021. “A crise trouxe um problema forte com
desemprego e inflação que tem levado muita gente a resgatar recursos
investidos”, afirmou o presidente da holding Ulisses Assis. “A gente acaba
sofrendo esse impacto porque as pessoas estão resgatando mais que o normal para
fazer despesas de custeio”, acrescentou.
O resultado operacional no terceiro trimestre do grupo das
companhias listadas na bolsa - BB Seguridade, Caixa Seguridade, IRB, Porto
Seguro e SulAmérica - mais a Bradesco Seguros foi 37,5% superior ao dos três
meses anteriores e somou R$ 3,12 bilhões. A cifra indica uma recuperação frente
ao pior momento da pandemia, durante a segunda onda de covid-19. O resultado
operacional, no entanto, ainda ficou 27,7% abaixo do primeiro trimestre. A
tendência, na visão dos executivos das companhias, é que a linha volte ao
patamar do início do ano, conforme a sinistralidade também se normalize.
O lucro líquido desse grupo de empresas também subiu 43%
frente ao segundo trimestre, para um total de R$ 2,7 bilhões. Mesmo com a alta,
o montante ficou 30% abaixo do visto nos três primeiros meses do ano, antes da
segunda onda. A vedete dos próximos trimestres promete ser o ganho com as
aplicações das reservas técnicas.
Ainda que o cenário seja diverso para as companhias, há um
fator que une o grupo em termos de perspectivas futuras: a alta da taxa básica
Selic e o consequente impulso ao resultado financeiro.
No terceiro trimestre, a linha combinada das companhias
listadas e a Bradesco Seguros alcançou R$ 2,5 bilhões, cifra 150% acima daquela
obtida no segundo trimestre. O resultado é também 74% superior ao visto entre
janeiro e março deste ano, quando a Selic ainda estava em 2% ao ano.
Ao longo de 2021, o Banco Central elevou a taxa básica para
os atuais 7,75% ao ano. A autoridade monetária sinalizou ainda uma nova subida
de 1,5 ponto percentual na reunião de dezembro, o que levaria a Selic a 9,25%.
Estimativas do mercado, divulgadas pela pesquisa Focus do BC, indicam que os
juros podem alcançar 11,25% ao ano no fim do ciclo de aperto monetário.
Na última vez em que a Selic esteve nesse patamar, no segundo
trimestre de 2017, o resultado financeiro representou a maior contribuição para
o lucro líquido para três das seis companhias analisadas. “O cenário de taxas
de juros tem efeito positivo nos próximos exercícios”, afirmou o CEO do IRB,
Raphael de Carvalho.