Setor de seguros espera derrubar cobranças de PIS/Cofins no Carf
Para virar jurisprudência, contribuintes contam com parecer de ex-ministro do STF sobre tributação dos ativos garantidores
Valor Econômico - 21 de Janeiro de 2022Empresas do setor de seguros apostam na virada da jurisprudência de uma discussão milionária de PIS e Cofins em andamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Trata-se da tributação de rendimentos decorrentes dos “ativos garantidores” - a reserva técnica que tem de ser mantida como garantia às indenizações dos clientes.
Fisco exige PIS e Cofins sobre bonificações Receita pública
entendimento sobre PIS e Cofins de biodiesel A expectativa dos contribuintes é
de conquistar precedentes na Câmara Superior do Carf. Hoje não há registro de
decisão a favor das empresas na última instância do tribunal administrativo.
Nas câmaras baixas, oscila.
Segundo levantamento realizado pelo advogado Leandro Cabral,
do escritório Velloza, 13 acórdãos haviam sido publicados até outubro de 2021.
Sete contrários, ou seja, para manter a cobrança de PIS e Cofins aplicada pela
Receita Federal, e seis favoráveis às empresas. Existem dois motivos que levam
os advogados a acreditarem que essa situação pode mudar. Um deles é o novo
critério de desempate dos julgamentos no Carf, que favorece o contribuinte.
Antes, sempre que havia empate, o presidente da turma - um representante da
Fazenda - é quem dava o voto de minerva.
O levantamento realizado por Leandro Cabral mostra que 62%
das decisões desfavoráveis aos contribuintes foram proferidas dessa forma.
Outro motivo que alimenta as chances de virada na jurisprudência é uma “carta
na manga” que começa a aparecer nas defesas das seguradoras. Trata-se de um
parecer do ex-ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal (STF), em que
ele esclarece sobre o trecho de um voto proferido por ele mesmo no ano de 2005,
quando ainda atuava na Corte.
A Receita Federal utiliza o voto do ex-ministro em larga
escala, como chancela para cobrar os tributos. Com base nisso, vem conseguindo
convencer os julgadores do Carf. A maioria das decisões favoráveis à cobrança
de PIS e Cofins cita o voto de Peluso. Só que o próprio ministro, na atual
condição de parecerista, diz que a interpretação dos fiscais ao seu voto está
errada. O julgamento realizado no STF em 2005 tratou sobre o conceito de
faturamento para efeitos de PIS e Cofins. A decisão vale para os contribuintes
que fazem parte do regime cumulativo (que não podem tomar crédito). Esse é o
caso das seguradoras.
Os ministros afirmaram, naquela ocasião, que só as receitas
geradas da prestação de serviço ou venda de mercadoria - a depender da
atividade da empresa - poderiam ser computadas no cálculo das contribuições.
Peluso concordou com a tese. Ele diz, no voto, que faturamento compreende as
receitas operacionais da empresa. Para a Receita Federal, esse trecho inclui as
receitas decorrentes dos ativos garantidores.
O Fisco considera que a constituição de reserva técnica, uma
obrigação prevista em lei, é atividade operacional das empresas e cobra,
portanto, PIS e Cofins sobre os rendimentos decorrentes desse “colchão”.
Advogados que atuam para o setor nunca concordaram com essa interpretação. “As
receitas não decorrem de prestação de serviço. As seguradoras precisam ter
capital investido e esse investimento gera rendimentos”, diz Caio Malpighi, do
escritório Mannrich e Vasconcelos. “O que vem do serviço são as receitas que
recebem a título de prêmio pelos seguros. Só essas podem ser tributadas”,
acrescenta.
No parecer, o ex-ministro confirma a versão dos advogados. O
documento começou a ser utilizado, inicialmente, em processos judiciais. Agora
também é visto nas discussões em tramitação no Carf. “O que a Receita Federal
não vê, nem distingue é condição e atividade condicionada, nem o fato óbvio de
a receita financeira não significar aí contraprestação devida, pelo segurado,
por prestação de serviço típico da seguradora. As seguradoras não prestam
serviço de seguro ao banco quando depositam as reservas técnicas!”, frisa
Peluso no texto.
Conselheiros do Carf citaram o parecer do ex-ministro em
decisão proferida, recentemente, a favor de uma seguradora. O julgamento
ocorreu na 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção no fim do ano passado e o acórdão
foi publicado há poucos dias. É o primeiro que se tem notícias nesse sentido.
“Importante esclarecer a adequada interpretação do voto do ministro”, afirma, no
voto, o conselheiro Márcio Robson Costa, que representa os contribuintes. Esse
foi o entendimento que prevaleceu na turma (processo nº 16682.722324/2017-67).
O advogado Maurício Faro, do escritório BMA, atuou para a
empresa no caso. “Esse acórdão é importante porque afasta uma premissa que
fundamenta muitos autos de infração lavrados pela Receita Federal e também
decisões do próprio Carf”, diz. Esse caso foi decidido pelo novo critério de
desempate - que favorece o contribuinte.
Representante do Fisco, a conselheira Mara Cristina
Sifuentes, relatora do processo, embasa o seu voto com decisões anteriores do
Carf, a favor da cobrança de PIS e Cofins, e não cita o parecer do ex-ministro
Peluso. “Quem tem voto contra [o contribuinte], convicto, é mais difícil mudar.
Mas é possível sensibilizar aqueles conselheiros que ainda não firmaram
posição, principalmente em câmara baixa, porque o parecer trata expressamente
do argumento utilizado pela Receita Federal”, afirma o advogado Leandro Cabral.
“À medida em que analisarem o parecer, por coerência, terão que mudar de
posição.”
Esse tema deve ser visto com mais frequência na pauta do
Carf neste ano. A presidência do órgão afirma que vai dar prioridade a casos
que envolvem maior valor assim que os julgamentos presenciais forem retomados.
A previsão inicial era no começo do ano. Mas as sessões de janeiro foram
suspensas por causa da greve dos auditores fiscais e, ontem, o órgão publicou
uma nova portaria, nº 421, informando que continuará com sessões virtuais em
fevereiro e março. Só se enquadram nessa modalidade processos de até R$ 36
milhões.
O caso levado a julgamento na 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª
Seção - o único que se tem notícia em que conselheiros citam o parecer do
ex-ministro Peluso - encostava nesse teto. Estavam em jogo R$ 35 milhões. Por
meio de nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que o voto
do exministro Peluso não é a principal razão de decidir nesses casos, “mas um
argumento de reforço”. “As receitas devem ser tributadas porque integram o
conjunto dos negócios ou operações desenvolvidas por essas empresas”, diz.
“Trata-se de receita da atividade operacional das seguradoras, que estão
incluídas no conceito de faturamento.” Acrescenta que o caso na câmara baixa
foi decidido pelo novo critério de desempate e que o parecer de Peluso não
modificou a posição dos conselheiros fazendários.
Esse processo, segundo a PGFN, será levado à Câmara
Superior, onde a jurisprudência é favorável à cobrança. A procuradoria ainda
destaca que em dezembro a 3ª Turma da Câmara Superior negou provimento ao
recurso de um contribuinte por maioria de votos. O acórdão ainda não foi
publicado (processo nº 16682.722918/2016-97).