Saúde passa por movimento acelerado de consolidação
As operações pegaram todas as ramificações, de hospitais a laboratórios, passando por operadoras de saúde, clínicas médicas e healthtechs
Valor Econômico - 30 de Junho de 2022O setor de saúde ganhou um protagonismo nos últimos anos que o colocou no centro da agenda de negociações do país. Mesmo em meio à pandemia, que reforçou a relevância dos serviços médicos em período de crise, as transações de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês) não deram trégua, jogando o setor em um movimento frenético de capitalização e consolidação nunca visto antes e que se acelerou de 2020 para cá. As operações pegaram todas as ramificações, de hospitais a laboratórios, passando por operadoras de saúde, clínicas médicas e healthtechs.
O primeiro empurrão veio em 2015, quando foi aprovada a
entrada de capital estrangeiro no setor. Para não perder esta corrida, nos
últimos cinco anos, nove empresas recorreram a 16 operações na B3 entre
abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) e lançamento de ações
subsequentes (follow-on) para levantar recursos e irem às compras. Nesse
período, Rede D’Or, Hapvida, Dasa, Intermédicas, Pardini, Mater Dei, Viveo,
Oncoclinicas e Kora captaram juntas R$ 53,67 bilhões, dos quais R$ 32,2 bilhões
foram destinados a investimentos e aquisições, sendo que mais da metade desses
recursos, R$ 17 bilhões, já foi despejada nas negociações de dezembro de 2020
até o começo deste ano, segundo levantamento feito pela BR Finance para o
Valor.
Em meio à maior competição, a verticalização tem sido o
modelo adotado pelas grandes redes médicas que se formam no país, criando um
ecossistema que amarra todas as pontas do atendimento ao cliente. “O
ecossistema junta operadoras, pacientes e prestadores de serviço como
hospitais, laboratórios e clínicas médicas. Há ganhos de escala e redução de
custos nesse processo”, afirma Osias Brito, sócio da BR Finance, consultoria de
fusões e aquisições. O especialista explica, no entanto, que neste novo arranjo
pode ter também uma linha tênue e conflituosa de interesses, pois o plano de
saúde que é dono do hospital quer o mínimo de sinistro possível e o hospital
quer oferecer serviços. “Pode haver sinistros adicionais em uma ponta da
operação que contamine os resultados do grupo como um todo”, diz Brito.
Devido à alta fragmentação do setor, com mais de 1,86 mil
hospitais privados independentes, 697 operadoras de saúde e milhares de
laboratórios espalhados pelo país, especialistas veem continuidade no processo
de consolidação, mas divergem sobre o ritmo em que ela irá acontecer daqui para
frente. “O processo é irreversível. Sessenta e nove por cento dos hospitais no
Estado de São Paulo ainda são privados e não fazem parte das grandes redes. No
Rio também. Hoje, em saúde, ou se senta à mesa ou é ‘menu’. Ou ganha escala ou
passa a ser potencial comprado”, observa Luís Joaquim, líder de Life Sciences e
Health Care da Deloitte no Brasil.
A consultoria salienta que o ano começou agitado, mas pode
desacelerar por questões conjunturais econômicas. Acredita, porém, em possíveis
transações, mesmo entre os grandes grupos que ainda não completaram seu
ecossistema. “A Dasa, por exemplo, não tem operadora de saúde e pode ser
potencial compradora da Amil, com uma eventual saída da UHG [UnitedHealth
Group] do país. Já quando falamos dos grupos hospitalares, o Mater Dei, que
está crescendo, vai ter que pensar em ampliar o modelo que hoje só possui
hospitais”, conta Joaquim.
Das empresas compradoras, o Fleury e o Mater Dei são os que
possuem o menor nível de alavancagem de suas dívidas em relação ao Ebitda, hoje
em 1,4 e 1,1, respectivamente, enquanto entre os outros competidores a
alavancagem gira ao redor de 2,5 vezes. Devido à folga de caixa, o Fleury, que
em cinco anos fez 14 aquisições, que consumiram R$ 1,6 bilhão, diz que possui
dez empresas em seu radar de compra e que continua a olhar as oportunidades com
apetite. Só entre 2021 e 2022, foram sete transações, que adicionaram 64
unidades de atendimento.
“Hoje temos 300 unidades em dez Estados e há espaço para
continuar crescendo. A população está envelhecendo e aumentam os casos de
doenças crônicas no país”, afirma Jeane Tsutsui, presidente do grupo Fleury. A
empresa também anunciou recentemente uma joint venture com o Bradesco e o
Hospital Beneficência Portuguesa, que precisa de aprovação do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade). “Vamos investir juntos R$ 678
milhões para a construção de clínicas de oncologia e um ‘cancer center’ para
oferecer serviços completos, desde a prevenção diagnóstica precoce até o tratamento
completo”, conta Tsutsui.
Com seis aquisições entre julho de 2021 e março deste ano, o
Hospital Mater Dei garante que as compras continuarão em ritmo acelerado neste
ano e que seu foco, por enquanto, é em hospitais. Levando em conta esta
estratégia, especialistas avaliam que faria sentido se houvesse uma união sua
com a rede Kora, por exemplo, por atuarem com a mesma estratégia em regiões
complementares. Assim como entre Pardini e Fleury. “Temos equipe de M&A
dedicada a mapear cidades e ativos e escolhemos os alvos levando em
consideração o portfólio de planos de saúde conveniados. São inúmeros negócios
em curso para aquisições neste ano, sendo que em cinco temos maior interesse”,
afirma Henrique Salvador, presidente da Rede de Saúde Mater Dei.
E para dar suporte ao total de aquisições que já consumiram
R$ 2 bilhões, além dos recursos levantados no IPO, em abril de 2021, o Mater
Dei fez em março deste ano uma emissão de R$ 700 milhões em debêntures não
conversíveis e ainda possui caixa disponível para novas operações. Hospitais
que individualmente têm em torno de 200 leitos nas regiões Sudeste,
Centro-Oeste e Nordeste estão em sua mira. “Hoje temos 11 hospitais, uma
plataforma própria e robusta de exames de imagem e serviços de oncologia com
clínicas”, diz Salvador.
Em seu re-IPO, em abril de 2021, a Dasa, uma das maiores
empresas de medicina integrada do país, levantou R$ 3,3 bilhões e no mesmo ano
gastou R$ 4,5 bilhões em dez aquisições (adicionando recurso extra de caixa),
segundo dados da própria empresa. No primeiro trimestre deste ano, desembolsou
mais R$ 1 bilhão. E, ao que tudo indica, não vai ficar por aí. A lista de
compras deste ano inclui a recém-anunciada, em 1º de junho, rede de Laboratório
Lustosa, em Minas Gerais, com serviços nas áreas de medicina laboratorial e de
análises clínicas. O Lustosa tem 26 unidades de atendimento entre Belo
Horizonte e região metropolitana.
“Com essa aquisição, a Dasa passa a ser líder regional em
quantidade de laboratórios, com 83 unidades, reforçando assim a sua
capilaridade e oferecendo ao usuário mais comodidade com acesso a saúde preditiva,
preventiva e personalizada”, diz Sergio Ricardo, vice-presidente de estratégia,
jurídico e ESG da Dasa. A aquisição está sujeita à aprovação dos órgãos
reguladores. Neste ano, a empresa já havia anunciado a compra do Centro de
Tratamento Oncológico (Centron), no Rio de Janeiro, e da Inspirali, subsidiária
de saúde da Ânima Educação. A safra de transações confere à Dasa um total de 15
hospitais e mais de 59 marcas entre medicina diagnóstica e serviços de saúde em
mais de 980 unidades no Brasil. E ainda quer mais. “Tem muita opção de compra
ainda. Entre as oportunidades podem estar startups, novas unidades de medicina
diagnóstica, hospitais e estruturas operacionais empresariais”, conta Ricardo.