O que o Bradesco enxerga para a economia em 2023
A economia brasileira é resiliente, cresce forte, mas o juro alto puxa uma cadeia de fatores que levarão a um desaquecimento nada trivial da atividade em 2023. Menor oferta de crédito, maior inadimplência e desaceleração global puxarão a atividade para baixo, mas o roteiro pode ser abreviado se o próximo presidente reduzir a incerteza fiscal e apresentar uma agenda de crescimento para o País.
Essa dupla condição pode levar à redução de prêmios de risco
que hoje sobrecarregam os juros de longo prazo e à apreciação do real, que
contribui para o processo desinflacionário. Por tabela, há chance de a Selic
começar a cair mais cedo.
O panorama é traçado por Fernando Honorato, economista-chefe
do Bradesco, que prevê expansão de 2,7% para o PIB deste ano e de 0,5% para o
próximo. Em entrevista ao NeoFeed, ele afirma que a premissa do cenário base da
instituição é de que o País terá “uma regra fiscal que pare de pé”.
“A incerteza fiscal inibe a construção de um cenário mais
ousado”, diz Honorato. “Caso o próximo presidente seja mais contundente nas
regras fiscais, o dólar pode cair a R$ 4,50, a Selic pode cair mais cedo, chegar
a 10% no final de 2023 e não a 11,75% como estimamos.”
Mas ele alerta que o arcabouço fiscal não é tudo. Honorato
defende uma pauta de crescimento. Lembra que o ritmo de expansão da atividade
vem surpreendendo, o que resultou em uma melhora importante da arrecadação.
Em meio a uma escalada de tensões por conta da Guerra da
Ucrânia e nova ameaças do presidente russo Vladimir Putin, o Bradesco trabalha
com a perspectiva de desaceleração da economia global que, somada à
desaceleração doméstica, traz tensão “porque há o risco de se querer soluções
mais rápidas e muitas vezes populistas para crescer mais rápido”, pontua.
Para o Banco Central, avalia Honorato, o desafio é a meta de
inflação. “A meta foi pensada para um país que tem boas regras fiscais e para
um mundo que também tinha metas. Nenhuma dessa duas condições estão presentes
hoje”, afirma.
Acompanhe os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:
A economia está resiliente, cresce e o mercado de
trabalho surpreende. O que explica este saldo?
Fatores estruturais e conjunturais concorrem para isso.
Entre os estruturais estão as reformas realizadas nos últimos anos, como a
criação do teto de gastos, Taxa de Longo Prazo, reforma da Previdência, Lei do
Saneamento e Autonomia do BC. Essas reformas podem estar maturando, trazendo
resultados. Entre os fatores conjunturais temos a queda do juro nos últimos
anos, benefícios como Auxílio Brasil, antecipação do pagamento de 13º salário e
de FGTS, além do ciclo de alta das commodities, que ampliou a renda de
produtores. O mercado de trabalho também foi favorecido pelas reformas da
Previdência e trabalhista que trouxeram mais flexibilidade, menor litigância
jurídica e propiciaram oferta maior de trabalhadores.
Se o mercado de trabalho vai bem porque os investimentos
na economia real não seguem a mesma linha?
Há incerteza quanto ao futuro da política econômica,
sobretudo quanto às regras fiscais lá na frente, mas também há uma razão de
ordem prática: investir no Brasil está caro. Selic a 13,75% e taxa de câmbio a
R$ 5,20/R$ 5,30 não são estímulos ao investimento. Em compensação, os salários
estão relativamente baixos – no menor nível real desde 2012. Os empresários
podem estar preferindo contratar mão de obra a investir. É uma decisão
racional. E a performance super boa que enxergamos no mercado de trabalho pode,
inclusive, ser circunstancial.
O Bradesco projeta PIB de 2,7% este ano e de 0,5% em
2023. Há alguma chance dessa queda não ocorrer?
É preciso ter humildade neste momento. Digo nós,
economistas, porque erramos as projeções de crescimento por três anos seguidos:
2020, 2021 e 2022. Podemos errar de novo. Há o risco de a expansão em 2023 ser
um pouquinho maior, mas há razões que apontam o desaquecimento. Em 2020, a
expectativa chegou a ser queda de 10% e o PIB caiu 6%. Em 2021, esperávamos
crescimento de 2% e veio cerca de 4,5%. Em 2022, a ideia era de expansão de
0,5% e o PIB deve avançar 2,5% ou 2,7%. Parte desse crescimento veio de fatores
que estavam fora do controle dos economistas. Não esperávamos os estímulos
dados pelo governo e tampouco que a Selic chegaria a 2%.
Quais fatores podem explicar a forte desaceleração em
2023?
Ao contrário dos anos anteriores, desta vez, o fato está
posto: o juro já subiu e é elevado. O juro real saiu de 5% negativo para 6% a
7% positivo. É um delta monumental e que vai produzir efeito na economia. E nós
veremos desaceleração do crédito, aumento da inadimplência das famílias, alguma
piora do ambiente de modo geral e com o mundo em desaceleração.
Tem algo que pode mudar este cenário?
Se o próximo presidente conseguir reduzir a incerteza quando
ao futuro arcabouço fiscal e, em paralelo, apresentar uma agenda de
crescimento, o prêmio de risco que existe no Brasil pode reduzir muito. O juro
de longo prazo, referenciado pela NTN-B, ronda 6% ao ano. É muito juro por
prazo de 12 ou 13 anos. Há dois anos e meio, essa taxa era de 3%. Portanto, há
muito prêmio de risco embutido. A Selic, que vejo em queda só no segundo
semestre do ano que vem, pode começar a cair antes. E a queda do juro longo por
redução de prêmios pode apreciar o real, o que ajuda no processo de
desinflação.
Quando o Brasil vai retomar um crescimento mais elevado
ou ao menos a média de 2,5% ao ano das últimas décadas?
No curto prazo parece difícil. Em 2022, vamos até crescer
mais que essa média. Em 2023 não vai dar por conta dos juros. Mas crescer em
bases sustentáveis não tem muito segredo. É ter a política econômica organizada
para ter juros menores, promover a reforma tributária, a reforma
administrativa, reduzir a desigualdade e ter um mercado doméstico mais forte.
Mas não sei se essa agenda será levada adiante. Passada a eleição, espero que
diminua o ruído político que vem dos dois polos que disputam diretamente.
Durante uma disputa política, ninguém vai falar de economia. Mas depois da
eleição, quem venceu, vai ter que dizer a que veio.
As pesquisas proprietárias do Bradesco com sua base de
clientes indicam fôlego persistente da atividade?
Entrevistamos três mil empresas mensalmente de quatro
setores: indústria, comércio, serviços e construção civil. Notamos aceleração
muito forte de serviços e construção civil até o segundo trimestre deste ano,
mas o sinal mudou em agosto e em setembro. A indústria já estava de lado.
Pesquisa erra, mas se o sinal dado for correto, o terceiro trimestre terá PIB
negativo. E esse não é nosso cenário. Projetamos expansão de 0,6%. Se as
indicações das pesquisas forem confirmadas, o desaquecimento da atividade pode
gerar a percepção de que a política monetária fez muito efeito.
Nesse contexto os preços estarão em queda…
Em paralelo à atividade mais fraca, os custos do comércio e
de serviços também estarão cedendo. E esses custos são bons indicadores
antecedentes de inflação. A pressão inflacionária gigantesca poderá estar
arrefecendo e o ano poderá terminar com o mercado antecipando a perspectiva de
início de corte de juro pelo Banco Central.
Crescer mais é suficiente para atrair mais capital
externo?
Ambiente positivo atrai mais dinheiro. Mas duas condições
importam: o sinal da política fiscal, porque ela interessa muito ao investidor
estrangeiro, e o nível da taxa de juro. Investir num país com juro nominal de
7% ao ano é uma coisa. É bem mais difícil investir com juro nominal de 14%.
Além disso, o Brasil precisa se posicionar em relação às novas cadeias
geopolíticas de suprimentos e ao meio ambiente.
Não temos encaminhado as mensagens certas aos
estrangeiros?
Na questão do meio ambiente, o setor privado tem feito a sua
parte. As empresas perceberam a importância de investimentos ancorados na
sustentabilidade social, ambiental e nas boas práticas de governança. E esse
posicionamento continua trazendo recursos ao País. Mas se o Brasil conseguir
apresentar uma agenda de governo positiva em meio ambiente poderemos atrair
muitos recursos porque os investidores querem parceiros que sejam próximos (no
caso das cadeias de suprimentos), confiáveis e que possam entregar ao mundo
energia e alimentos em bases sustentáveis. O Brasil reúne essas condições, mas
essa questão é estrutural. Para ser um player internacional ainda mais
relevante, o Brasil tem trabalho a executar pelos próximos 10 anos.
O Bradesco trabalha com cenários econômicos alternativos
para vitória de Lula ou de Bolsonaro?
Não temos cenários alternativos. Trabalhamos com o cenário base
de crescimento de 0,5% no ano que vem sob a premissa de que vai ter uma regra
fiscal que pare de pé, que indique que as contas públicas estarão arrumadas.
Mas se você perguntar se tenho certeza dessa premissa, digo que não. E, até por
essa razão, não coloco mais ousadia no meu cenário macroeconômico.
Mais ousadia?
O câmbio, por exemplo, temos R$ 5,20 para o ano que vem.
Caso o futuro presidente seja mais contundente nas regras fiscais, o dólar pode
cair para R$ 4,50. A Selic pode começar a cair mais cedo e terminar 2023 em 10%
e não em 11,75% como projetado agora. O PIB vai crescer um pouquinho mais e
2024 tende a ser melhor. Mas a perspectiva para o país à frente melhora. Na
verdade, nossa premissa não depende do governo, mas de um conjunto de regras fiscais.
Como não tenho certeza do que estará valendo, o cenário é de crescimento menor.
E isso se aplica a qualquer um dos dois principais candidatos à presidência.
A pauta fiscal é a grande variável do cenário?
A pauta fiscal ao lado da agenda de crescimento. O Brasil
surpreendeu em crescimento no último ano e esse crescimento levou à melhora da
arrecadação e fez com que o País tivesse um resultado primário bem melhor do
que se esperava. Estimava-se um déficit de R$ 100 bilhões no início do ano, o
governo gastou R$ 100 bilhões a mais do que se esperava e, ainda assim, ele vai
ter mais R$ 100 bilhões de superávit. A conta dá R$ 300 bilhões. E isso é
resultado da arrecadação. Crise internacional e desaceleração doméstica é uma
combinação que traz desconforto.
Há algum risco para a autonomia do BC?
Acho que a autonomia do BC é garantida. Qualquer mudança
nesse sentido é algo próximo de zero nos próximos anos. E a combinação de
desaceleração global e doméstica pode facilitar o trabalho do BC que poderá
cortar o juro. O BC só não poderá fazer isso se o próximo presidente,
angustiado com o baixo crescimento econômico, resolver acelerar demais os
gastos e desvalorizar a moeda. Aí sim dificulta o trabalho do BC.
A falta de crescimento global e local produz impacto além
do econômico?
Sim, porque traz tensão e há um risco até maior de se querer
soluções mais rápidas e muitas vezes populistas para crescer mais rápido. O
presidente que assume o cargo com o país e o mundo em expansão tem um baixo
incentivo para mudanças. Mas com baixo crescimento e eventual aumento do
desemprego a tentação para mudanças é maior. Desafio para o BC é a meta de
inflação, porque ela foi pensada para um país que tem boas regras fiscais e
para um mundo que também tinha metas. Nenhuma dessas duas condições estão
presentes hoje.
A decisão do presidente Vladimir Putin de elevar a força
militar na Ucrânia e recorrer a armas nucleares para defender interesses da
Rússia pode agravar o cenário de inflação e dificultar ainda mais o trabalho
dos bancos centrais?
Tudo depende do ritmo de escalada da guerra. Se for para
níveis de ameaça, a decisão de Putin pode trazer até mais incerteza, menos
crescimento e inflação. No caso concreto de avanço nos territórios e no grau do
conflito armado, a mobilização da Rússia pode sim dificultar a ação dos bancos
centrais porque pode ter impacto na produção física de petróleo ou gás e não
apenas na distribuição.
A crise internacional tem prazo para acabar?
É inevitável que se caminhe para uma recessão no mundo em
2023. Nossa projeção é de 2,7% para o PIB global, abaixo de 3%, que o Fundo
Monetário Internacional (FMI) considera nível de recessão. Temos formalmente o
cenário da recessão decorrente de um aperto monetário sincronizado no mundo, a
economia chinesa em desaceleração estrutural e a guerra na Europa. A boa
notícia nisso tudo é que os bancos centrais estão fazendo o seu trabalho e
veremos uma queda da inflação ao longo do próximo ano. Mas o timing de se
voltar a discutir crescimento global está para o final de 2023 ou início de
2024.