Denise Bueno
Denise Bueno

Jornalista especializada na indústria de seguros brasileira e internacional

O que esperar do mercado de resseguros após a tragédia climática que devastou o RS?

"Entramos no mapa dos países e regiões com exposição a eventos catastróficos", afirma Pedro Farm, CEO da Guy Carpenter 13 de Junho de 2024

As tragédias climáticas ocorridas em abril no Estado do Rio Grande do Sul tendem a ter impactos ainda não totalmente mapeados na economia brasileira ao longo de 2024 e nos anos futuros. Pedro Farm, CEO da Guy Carpenter, conversou com o Sonho Seguro para contar o que esperar do mercado de resseguros daqui para frente, após a consultoria de risco divulgar um estudo com os resultados de 2023.

O estado do Rio Grande Sul contabiliza um elevado número de mortos e desaparecidos. A economia do Rio Grande do Sul representa 6,5% do PIB brasileiro e a tragédia tende a afetar a economia brasileira como um todo. O impacto desta tragédia tende a ser sentido em pelo menos três frentes da economia brasileira: no crescimento do PIB deste ano e quem sabe nos próximos anos, no setor agrícola e na questão fiscal brasileira.

De acordo com o trabalho elaborado pela Unidade de Estudos Econômicos da FIERGS (Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul), foram reconhecidos 78 municípios em estado de calamidade e 340 em situação de emergência. Nestes 418 municípios, estão sediadas 47 mil indústrias do RS, que empregam 813 mil pessoas.

As regiões com o maior número de municípios em estado de calamidade foram Vale do Taquari (23), Central (20), Vale dos Sinos (11) e Metropolitana (7). A Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul) divulgou um relatório em que estima que as perdas do agronegócio podem chegar a cerca de R$ 3 bilhões, e que a normalização do setor deve levar pelo menos dez anos.

A expectativa de mercado de seguros é de que a maior parte dos sinistros venha do seguro de automóveis, patrimonial, habitacional e do seguro agrícola (com maior incidência nas coberturas de penhor rural). Os impactos desta catástrofe nos resultados das seguradoras devem ser sentidos nos resultados do segundo trimestre de 2024.

Ao longo de 2023 o mercado de resseguros apresentou uma melhora significativa nos resultados de subscrição impulsionado por taxas mais altas, pontos de fixação mais elevados e mudança no mix de negócios. Desta forma, o capital das resseguradoras cresceu US$ 35 bilhões em 2023 e espera-se que volte a crescer também neste ano de 2024, o que tende a ser positivo e criar maior capacidade disponível para as seguradoras e concorrência de preços e condições, de acordo com novo relatório da corretora de resseguros Guy Carpenter, um dos negócios da Marsh McLennan.

Em 2023, o ROE (Retorno sobre o Patrimônio Líquido) médio do setor foi de 21,9% em enquanto em 2022 foi de 5,7%. O índice combinado medido pelo GC Reinsurance Composite melhorou para 86,9% em 2023 em comparação com 95,3% em 2022. No mercado há uma expectativa que o ano de 2024 também será positivo para as resseguradoras, e que o biênio de 2023-2024 compense o mau desempenho do setor durante o quinquênio de 2017 a 2022.

Ainda que no mercado global renovações posteriores a 01/01/23 foram ordenadas com níveis crescentes de capacidade devido a menor incidência de catástrofes naturais, no Brasil as atenções estarão voltadas para esse tema tendo em vista as recentes catástrofes ocorridas no Rio Grande do Sul.

Em linha com o ano de 2023, quando o mercado brasileiro de resseguros encerrou o ano com R$25,1 bilhões em prêmios brutos de comissão e crescimento de 8,8% em relação ao ano anterior, o nível de atividade se manteve elevado no primeiro trimestre de 2024 foi finalizado com um volume de prêmios brutos de comissão de R$7,3 bilhões, 4,5% maior que o registrado no mesmo período do ano anterior. O crescimento foi motivado principalmente maior contratação nos ramos de Óleo e Gás, Riscos Patrimoniais, Garantia e Riscos Aeronáuticos.

Desses prêmios, 88,3% são originados de contratos proporcionais e facultativos e 11,7% de contratos não-proporcionais, proporções essas em linha com o registrado nos primeiros três meses de 2023. Na avaliação de alocação de cessão de prêmios por tipo de ressegurador, nos primeiros três meses de 2024, 50,1% foram recebidos por resseguradores locais, 19,7% por resseguradores eventuais e 30,2% por resseguradores admitidos.

Os sinistros de resseguro pagos encerraram o trimestre em R$3,0 bilhões, gerando um índice de sinistralidade de 41,1%, apontando uma queda de R$1,8 bilhão e 27,9 p.p., respectivamente. A partir disso, o resultado operacional do mercado cresceu 207,8%, atingindo um volume de R$3,2 bilhões com uma margem de 43,7%.

O que esperar do mercado de resseguros no caso do sul? 

Primeiramente vimos com um teste de resiliência e credibilidade com relação as discussões de cobertura e aplicação de limites catastróficos, o primeiro evento dessa magnitude para testar um mercado que nunca teve experiencia com sinistros dessa natureza. Até o momento estamos vendo grande interação, apoio e discussões positivas com principais players. Nossa expectativa é que existam adaptações e alinhamentos nos ajustes que precisarão ser feitos para enquadramento dos eventos e garantir cobertura de resseguro e consequentemente de seguros. É necessário ver que a cadeia inteira será testada. Após esse processo, vemos oportunidades grandes de uso de seguros e resseguros para redução do gap de cobertura que já da indícios de ficar perto de 90% das perdas econômicas estimadas, ou seja, 1/3 da média global de cobertura em eventos da natureza. Com este desenvolvimento esperado, podemos levar nosso mercados a novos patamares e volumes e garantir maior proteção para os ativos privados e públicos. Esperamos grande disponibilidade de capital e suporte para esse possível novo cenário com maiores limites comprados, disseminação de coberturas de eventos da natureza e consequente maior ampliação de uso de resseguro.

O Brasil não será mais visto como sem catástrofe? 

Entramos no mapa dos países e regiões com exposição a eventos catastróficos, em especial nessa ‘nova fronteira’ dos chamados eventos secundários como alagamentos, tempestades e incêndios florestais que ampliaram o escopo de catástrofe além de furacões, terremotos e vulcões. Pela magnitude esperada, veremos perdas econômicas e seguradas análogas a vistas em eventos ‘tradicionais’ em outras regiões e nos igualar com o cenário europeu de alagamentos que já passam a ter sua própria ‘temporada’ em especial início do verão na França e Alemanha por exemplo. A abertura de informações, estudos de períodos de retorno dos eventos para quantificação de limites e controles de acúmulos regionais passarão a ser mais necessários do que nunca. As mudanças climáticas trazem esse novo normal e estudos iniciais já apontam que a recorrência de eventos dessa magnitude pode ser relativamente curta , sendo necessária grande adaptação da sociedade, mercado e politicas governamentais. 

Haverá desenvolvimento do novas coberturas… novos produtos? 

Certamente, seja pela disseminação de coberturas de alagamentos, vendaval e limites ampliados ou por produtos com características ‘all risks’ esperamos um desenvolvimento do mercado nessa direção pela percepção de risco ampliada. 

Pode haver a partir de agora maior interesse por paramétricos? 

Temos a expectativa que sim, especialmente quando objetivo do comprador for endereçar percepção de risco especifica e busca de soluções custo-eficientes na transferência de risco que podem ficar mais caras nos produtos ampliados. Os paramétricos serão importantes para garantir adaptabilidade geográfica e natureza da cobertura em necessidades especiais de segurados. Nossa expectativa ainda se dará maior pela amplitude dos produtos tradicionais com inclusão de novas coberturas, no entanto, seja para incluir estas novas coberturas ou garantir adequação de preços, a inclusão de componentes paramétricos pode ser uma solução com grande viabilidade.