Denise Bueno
Denise Bueno

Jornalista especializada na indústria de seguros brasileira e internacional

Imprevisibilidade do subsídio para o seguro rural suscita debates sobre clima, produtos e tecnologia

O setor precisa de proteção, pois eventos catastróficos como o do Rio Grande do Sul têm o potencial de destruir toda a cadeia produtiva e a economia de diversas cidades 01 de Agosto de 2024


Apesar da grande importância do subsídio para ampliar o uso do seguro rural no agronegócio no Brasil, a imprevisibilidade tem incentivado a criação de novas estruturas de oferta de seguros para o segmento. Como alternativa, as empresas da cadeia de valor do agro, tais como, cooperativas, fornecedoras de insumos, instituições financeiras e revendas agrícolas, começaram a buscar por soluções estruturadas, visando oferecer solução para todo o seu portfólio de produtos, afirma Paulo Vitor Rodrigues, diretor regional de Food & Agribusiness na corretora Aon LATAM.

Nesta semana, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) liberou R$ 210 milhões de recursos adicionais exclusivos para contratação de seguro rural no Rio Grande do Sul no 2º semestre deste ano, por meio do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural. O auxílio financeiro do governo federal que apoia a contratação de seguro rural irá beneficiar cerca de 22 mil produtores gaúchos, com aproximadamente 31 mil apólices. O ministério também prevê que a área rural segurada deve alcançar 1 milhão de hectares e o valor total dos bens segurados pode alcançar R$ 9,5 bilhões.

A liberação do valor extra foi possível após a pasta alterar a distribuição do orçamento total de R$ 1,15 bilhão do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) para 2024, conforme a Resolução 101, do Comitê Gestor Interministerial do Seguro Rural, publicada nesta segunda-feira (29). E ocorre após as fortes chuvas que atingiram o estado nos meses de abril e maio.

Em nota, o secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária, Guilherme Campos, afirmou que o governo federal está atento aos problemas enfrentados pelos produtores das regiões do estado atingidas pela catástrofe climática de maio.

De acordo com a CNseg entre 2013 e 2023, desastres naturais causaram R$ 639,4 bilhões de prejuízos em todo o Brasil, sendo 56% dos prejuízos no setor agropecuário. Na última safra, apenas 7% das lavouras cultivadas no Brasil estavam seguradas. Segundo o presidente da Confederação, é importante que seja ampliados os recursos do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), além de outros mecanismos, junto à União, para que se possa mitigar os riscos das operações do Seguro Rural em um contexto de mudanças climáticas. “Não dá para ter mais esse modelo com restrição orçamentária tão severa do PSR, não é mais sustentável. Podemos ter sérios problemas na agricultura brasileira nos próximos anos, se não tivermos uma expansão dos mecanismos de cobertura de risco”, destacou.

Devido ao cenário de perdas das safras de 2021 e 2022, onde somente de janeiro a junho de 2022 foram indenizados mais de R$ 7,7 bilhões, segundo dados da Susep, 352% acima do mesmo período do ano anterior, as seguradoras enfrentaram mais dificuldades na negociação de seus contratos de resseguros, tornando as condições mais restritivas e a capacidade mais limitada. Isso impactou o acesso ao seguro para pequenos e médios produtores de maneira individual.

Daniel Castillo, vice-presidente de Resseguros do IRB(Re), afirma que no ramo agrícola, o efeito da tragédia do Sul foi relativamente pequeno, pois boa parte da safra já estava colhida. Além disso, o estado já vinha de quatro quebras de safra nos últimos cinco anos, o que já estava refletido na precificação e tinha reduzido as contratações na região pois os produtores se encontravam sufocados com o baixo preço das commodities e alta de custos de produção. Para o setor de máquinas e equipamentos, a perda poderá ser maior. “Estamos em processo de avaliação do prejuízo total com as seguradoras”, informou.

Segundo Castillo, disseminar a gestão de riscos é uma missão séria. “Estamos cientes de que existe uma grande lacuna de proteção no mundo e, em especial, no Brasil. Eventos como esse mostram claramente a diferença entre a perda segurada e as perdas econômicas. Acreditamos em um amplo debate entre o mercado de seguros, o poder público e os agentes do setor agrícola (empresas de tecnologia, cooperativas, bancos etc). Entendemos que o setor precisa de proteção, pois eventos catastróficos como o do Rio Grande do Sul têm o potencial de destruir toda a cadeia produtiva e a economia de diversas cidades. Um evento semelhante teria proporções catastróficas para o agro se tivesse ocorrido três ou quatro semanas antes”.

O debate deveria envolver temas como o crédito ao produtor, o seguro agrícola e a subvenção federal se espelhando em modelos que deram certo em outros países. Desta forma, os bancos seguiriam atuando na captação e financiamento, as cooperativas na tecnificação do produtor, as empresas de tecnologia seriam demandadas para apresentar soluções para modernizar o programa, o mercado segurador no zelo pelo resultado e de suas margens de lucro e o governo nas políticas públicas de auxílio ao produtor, vinculados ao crédito e ao seguro.

Felipe Alves, CEO da Essor Seguros, segue na mesma linha de “união” de todos. ‘A frequência e severidade dos acontecimentos recentes realçam a necessidade de implementar ferramentas adicionais para prevenção e mitigação de riscos e um modelo de seguro catastrófico, onde haja colaboração entre os setores público e privado, com responsabilidade compartilhada entre estes”, cita.

No caso do seguro para catástrofes, há vários exemplos na América Latina. Especificamente para o setor agrícola, um exemplo é o modelo mexicano, onde existem seguros adquiridos pelo governo federal em colaboração com os governos estaduais, conseguindo potencializar os recursos disponíveis, que, através do pagamento do prêmio do seguro, conseguiram proteger os produtores do país (com respectivas regras de distribuição).

“A gestão conjunta de questões relevantes de governança por todos os atores na cadeia do agronegócio é crucial. Além disso, gostaríamos de reforçar a necessidade de criar um modelo de seguro para catástrofes, envolvendo a colaboração de entidades públicas e privadas. É inegável que continuaremos a enfrentar eventos imprevistos com mais frequência, portanto, precisamos estar preparados e seguros para enfrentá-los”, destaca o CEO da Essor.

Outra saída tem sido o seguro paramétrico, com ou sem subvenção. “Sem previsibilidade fica difícil”, afirma Rodrigo Motroni, vice-presidente da Newe Seguros. “Estamos testando e funciona”, conta, citando o case do Sul da Bahia para o pequeno produtor. O seguro paramétrico é baseado na definição de índices verificáveis por meio do uso de tecnologia, sem a necessidade de vistoria presencial de peritos como no seguro rural tradicional, o que reduz os custos e amplia a possibilidade de acesso por pequenos produtores. A modalidade permite a adoção de condições customizadas conforme cada atividade.

Em fevereiro deste ano foi paga a primeira indenização ao produtor baiano devido à falta de chuvas entre agosto e novembro. Na elaboração e contratação da apólice, foi apurada a média de precipitação na região desde 1981 e foram definidos os “gatilhos” para que a indenização fosse acionada e interrompida. Ou seja, se durante aqueles meses chovesse menos do que o “combinado” pelas partes, o cacauicultor teria direito à indenização. O seguro foi feito para uma área de três hectares onde Edmundo Almeida planta cacau no sistema cabruca. A apólice custou R$ 400, já que ele teve subsídio de 40%.

Além do subsídio

Rodrigues, da AON, afirma que a compra do seguro rural não está limitada ao acesso ao programa de subvenção do governo, porém, ele é um grande impulsionador para as vendas. “Quando analisamos os recursos disponibilizados nos últimos 10 anos, é possível observar que a variação de apólices contratadas acompanha a variação do programa. Nos anos em que foram disponibilizados maiores volumes, o número de apólices também subiu e vice-versa”, diz.

Há casos dos seguros de grandes produtores e dos seguros florestais, em que devido ao tamanho das áreas, o programa de subvenção acaba não sendo o maior diferencial e há a contratação do seguro por parte do produtor. Segundo Rodrigues, algumas empresas da cadeia de valor do Agro, visando promover uma proteção ao seu produtor, garantindo a perenidade de suas operações, estão oferecendo subsídios privados para seus clientes, viabilizando assim a contratação do seguro rural, mesmo com a falta de recursos da subvenção federal.

Atualmente, o grupo HDI, composto pelas marcas HDI e Yelum, oferece seguros para Equipamentos Agrícolas em duas modalidades. A primeira é a de Benfeitorias, que é voltada para equipamentos não financiados por crédito rural. A segunda é a de Penhor Rural, que é indicada para equipamentos financiados por crédito rural. Entre os itens cobertos estão tratores, colheitadeiras e implementos, ou seja, qualquer material relacionado às atividades agrícolas, pecuárias, aquícolas e florestais. “Em breve, lançaremos o produto Cultivo no estado do Paraná”, conta Marcos Siqueira, diretor de Transportes e Equipamentos Rurais do Grupo HDI Seguros.

Tecnologia agrega valor à cadeia

As plataformas digitais podem melhorar significativamente as vendas e a distribuição de seguros agrícolas de várias maneiras, afirma Luiz Leonardo Leite Filho, gerente de inovação em agro da Munich Re. Com base na análise de dados capturados, por meio destas plataformas, as seguradoras podem viabilizar a oferta de produtos personalizados, adaptados às necessidades específicas de cada agricultor, com base nos tipos de cultivo, localização geográfica e perfis de risco.

A Munich RE embarcou numa jornada de desenvolvimentos e hoje oferece um conjunto de ferramentas que chamamos de Agro Digital Suite (ADS). Em linhas gerais conta com uma plataforma que viabiliza a distribuição, pela seguradora, do seguro; uma sistemática de análise de risco a nível de talhão; e um módulo de gestão ativa das carteiras.

“Além de alavancarem as vendas, podem contribuir significativamente para uma melhor experiência do agricultor na etapa pós venda, seja enviando notificações sobre os processos de emissão das apólices, suporte a abertura e andamento de sinistros e viabilizando o compartilhamento de informações sobre o risco do produtor com a seguradora”, comenta. Podem ainda ser via de conexão com outros serviços, tais como ferramentas de gestão agrícola, serviços financeiros e acesso ao mercado, oferecendo uma solução abrangente e que agregue valor à cadeia produtiva, aumentando assim a percepção de valor no seguro agrícola pelos agricultores e retroalimentando as seguradoras”, acrescenta.

André Lins, corretora Alper Seguros, aposta na tecnologia como aliada do crescimento do seguro rural, mesmo sem subsídios. “Lançamos a plataforma Agrobiz, 100% digital, para descomplicar a administração e distribuição de serviços agrícolas, entre eles os seguros para diferentes tipos de culturas. Apostamos no potencial deste segmento e nossa meta é plugar inúmeras utilidades além da contratação e gestão dos seguros”. 

Para o executivo da Aon, as plataformas digitais são ferramentas fundamentais na estratégia de distribuição do seguro agrícola. Elas permitem levar autonomia e agilidade para quem está na ponta da operação, podendo ser o corretor, a cooperativa, instituição financeira ou o próprio produtor diretamente. Através das plataformas digitais, é possível escalar a operação, sem que haja um grande aumento no custo. “Um dos principais desafios dessas plataformas está na conexão com os sistemas das seguradoras, geralmente feitas através de uma API (Application Programming Interface), que nem todas as seguradoras possuem ou oferecem para se conectar a uma plataforma terceira”.

Alves, da Essor, concorda, mas faz ressalvas. As plataformas digitais podem ajudar na distribuição e são extremamente importantes na obtenção e controle de informações, contribuindo para tornar a contratação do seguro mais simples e transparente. “Porém ainda é de extrema importância a consultoria no momento da contratação do seguro agrícola, onde o produtor terá a possibilidade de escolher a opção de seguro que melhor se adapta ao seu risco e acima de tudo, entender com clareza sobre as condições de cobertura e os diferenciais de cada seguradora. Ainda estamos em um processo de conscientização da necessidade do produtor rural adquirir um seguro para proteger seu cultivo e seu patrimônio. Trata-se de um produto com uma contratação altamente consultiva, que envolve diversos aspectos relacionados ao local do risco, datas de semeadura, início de cobertura, índice de produtividade garantido, entre outros”.

Felipe Prado Ribeiro, diretor técnico responsável pelas áreas de RD Equipamentos, Produto Financial Lines & Responsabilidade Civil e Produto Agricultura da Sompo, conta que incrementou parcerias com hubs de inovação e agtechs com objetivo de desenvolver serviços de valor agregado que devem contribuir com todo o processo desde a subscrição, gerenciamento de riscos e indenização de sinistros. Entre eles, o uso de monitoramento de colheitas via satélite, drones para vistorias entre outras possibilidades de serviços. Desde 2023 a seguradora tem uma parceria com a Agtech Innovation, hub de inovação especializado no agronegócio que faz parte do network PwC. A parceria foi estabelecida como objetivo fomentar a inovação aberta para o desenvolvimento de soluções que agreguem valor aos seguros voltados ao agronegócio, segmento em que a companhia tem expressiva atuação.