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Artigo: Fraudes contra planos de saúde prejudicam todos os usuários

"Irregularidades põem o sistema em risco. Gastos com reembolso subiram 98%. Há algo muito errado acontecendo"

CQCS - 30 de Julho de 2024

Por: Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge

De repente um homem fica cego. O caso isolado vira epidemia. Na pacata cidade sem nome, homens confinados em sua escuridão esquecem que cada ato seu tem impacto no outro. O grupo — que antes obedecia a padrões comportamentais, pois essenciais ao funcionamento do conjunto — agora é um aglomerado de indivíduos que agem pelas leis do benefício próprio. O resultado é um caos insustentável. “Ensaio sobre a cegueira”, de José Saramago, serve como metáfora para os desafios da saúde suplementar.

Assim como na ficção, o claro entendimento de que planos de saúde funcionam na base do coletivismo é essencial para o sistema. O ato de um beneficiário impacta os outros. Em princípio, todos aceitam as regras. Mais de 51 milhões de brasileiros pagam seus planos, cientes de que uns usarão mais do que outros e de que as empresas precisam operar no positivo para entregar o contratado. Dentro do uso responsável desse acordo, a realização de mais de 1,6 bilhão de procedimentos por ano cabe no orçamento das operadoras e atende a contento à demanda da população por atendimento de qualidade.

Fraudes, no entanto, colocam o sistema em risco. O reembolso sem desembolso explodiu de 2019 para cá. Há cinco anos, as despesas assistenciais do setor de saúde privada eram de R$ 172,8 bilhões. O reembolso, de R$ 6 bilhões. Em 2023, as despesas alcançaram R$ 239 bilhões, alta de 38%. Já os gastos com reembolso cresceram 98%, para R$ 11,9 bilhões. Há algo muito errado acontecendo.

Outro exemplo ainda mais sensível acontece abertamente nas redes sociais, onde há vários advogados, agentes de saúde e pessoas comuns compartilhando dicas de como fraudar os planos. Grave por si só, o quadro fica ainda pior, pois envolve o uso indevido da Justiça. A promessa é que, por meio de liminares, seja possível derrubar carências previstas na lei e nos contratos e obter procedimentos e medicamentos não autorizados.

Para coibir as fraudes, as empresas de saúde abriram mais de 4 mil notícias-crime e ações cíveis contra práticas abusivas. Só em 2023, foram 2.042 casos, alta de 66% sobre 2022. Mas a batalha é inglória. Do outro lado, o número de processos movidos contra operadoras chegou a 219,3 mil, volume 32,8% maior do que em 2022. Somente em 2023, as operadoras gastaram R$ 5,5 bilhões com a judicialização, 37% a mais do que em 2022. Boa parte, com processos indevidos.

Não há dúvidas de que o plano de saúde deva arcar com o que é previsto em contrato. Mas fraude é crime previsto no artigo 171 do Código Penal. Triste é pensar que a própria Justiça é indevidamente usada e, por muitas vezes, levada a erro ao dar ganho de causa a fraudadores quando decide a favor de liminares que ferem as normas do setor. A insegurança jurídica é tamanha que, nos últimos três anos, três das maiores seguradoras do mundo que atuavam na área da saúde no Brasil saíram do país. A japonesa Sompo, a alemã Allianz e a americana UnitedHealth Group.

Dado o cenário, afirmo categoricamente que os planos de saúde não são o vilão da sociedade. O problema do setor não está no atendimento devido aos pacientes graves, aos que sofrem de transtorno do espectro autista e nem aos idosos. O problema está no uso indevido e até fraudulento do sistema. Quem perde é a sociedade.