Seguradora vence no Carf disputa sobre PIS e Cofins
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) excluiu da base de cálculo do PIS e da Cofins da Brasilveículos Companhia de Seguros, pertencente à Mapfre Brasil, os rendimentos obtidos com reserva técnica - ativos exigidos para garantir o pagamento de indenizações a clientes. A decisão, da 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento, anulou uma cobrança de cerca de R$ 20 milhões.
O acórdão é relevante por haver poucas decisões favoráveis
aos contribuintes no tribunal administrativo. Na Justiça, há divergência,
motivo pelo qual o tema foi afetado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal
(STF) para julgamento em repercussão geral (RE 1479774 ou Tema 1309).
É a primeira vez que o Carf se manifesta sobre a questão a
favor das empresas, segundo advogados. Os contribuintes e a Receita Federal
discordam sobre a tributação em razão das diferentes interpretações sobre o
conceito de faturamento. Para as empresas, por mais que os investimentos em
reserva técnica sejam uma imposição legal - advinda da Lei nº 8212/1991 -, as
receitas obtidas não decorrem da atividade típica empresarial, portanto, não
seriam tributáveis.
Já a Receita Federal entende que esses rendimentos integram
o conjunto de operações desenvolvidas pelas seguradoras. Portanto, fazem parte
do objeto social e constituem receita bruta. No caso analisado pelo Carf, o
órgão multou a empresa por suposta omissão de R$ 90 milhões em receitas
financeiras obrigatórias e R$ 86,6 milhões referentes a pagamentos a terceiros
pela assistência 24 horas a sinistros na base de cálculo dos dois tributos.
Prevaleceram os argumentos do contribuinte. Para o relator,
conselheiro José Renato Pereira de Deus, a previsão legal não transforma os
rendimentos obtidos com as aplicações compulsórias em atividade empresarial
típica. “O fato de as receitas financeiras estarem relacionadas a investimentos
previstos em lei como obrigatórios, não faz com que sejam considerados como
receitas típicas das seguradoras”, diz ele, no voto (processo nº
16327.720020/2019-76).
Ele cita a definição de faturamento do STF, compreendida
como “a totalidade das receitas auferidas com a venda de mercadorias, de
serviços ou de mercadorias e serviços, ou seja, é a soma das receitas oriundas
do exercício das atividades operacionais”. Também lembra de três precedentes no
Carf (acórdãos nº 3302-001.873, nº 3302-002.841 e nº 3401-002.708).
Sobre a assistência 24h, a seguradora defendeu que também
não integra atividade típica, pois compõe uma “cesta de produtos oferecidos aos
segurados”, como “uma espécie de benefício”. A fiscalização, porém, entende que
esse serviço - como guincho e transporte - é “mero diferencial comercial que
aparece com papel complementar no contrato de seguros”, e deveria ser
enquadrado como “liberalidade comercial oferecida pela seguradora, não sendo
necessária, tampouco obrigatória”.
Para o relator, a dedução é permitida pela legislação
tributária, com respaldo nas normas da Superintendência de Seguros Privados
(Susep). “A definição de ‘sinistro’, utilizada para essa dedução, está
firmemente ancorada em normas de direito privado e é reconhecida tanto pela
legislação quanto pela regulamentação específica da Susep”, afirma. A turma foi
unânime sobre esse segundo ponto.
A respeito da reserva técnica, ficou vencido só o
conselheiro Lázaro Antônio Souza Soares. Advogados de contribuintes entendem da
mesma forma. O tributarista Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados, que
atua pela Brasilveículos no caso, diz que a Lei nº 9.718/1998, que trata da
base de incidência do PIS/Cofins, prevê a dedução da assistência 24 horas, no
artigo 3º parágrafo 6º inciso II. 'Não se trata de tese dos contribuintes,
mas um direito assegurado pela lei', diz. Para Cabral, a decisão do Carf
se aplica inclusive para os casos posteriores à edição da Lei nº 12.973/2014,
que, segundo ele, tentou ampliar a base de cálculo dos dois tributos federais.
'As novas hipóteses da norma não abrangem receitas de
reservas técnicas, então não justifica a incidência e não muda o resultado da
decisão.” Como argumento favorável, tributaristas lembram do voto do ministro
Dias Toffoli, do STF, ao julgar um caso da Axa Seguros. Essa ação, que não
estava em repercussão geral, permitiu a incidência de PIS/Cofins sobre prêmios
de seguros.
Porém, nos embargos de declaração, Toffoli afirmou que a
cobrança não deveria se estender aos ativos garantidores, citando parecer do
ministro aposentado Cezar Peluzo. O impacto desse caso era de R$ 26,9 bilhões,
segundo estimativa na Lei de Diretrizes Orçamentárias (RE 400479).
O tributarista Maurício Faro, sócio do BMA Advogados, lembra
ainda que um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) chegou a
reconhecer que essas receitas não eram operacionais, mas depois a Receita
publicou uma solução de consulta dizendo o contrário. Para ele, não é possível
a inclusão. “Não é receita operacional, porque é o cumprimento de uma obrigação
regulatória. A empresa não tem autonomia para gerir esse dinheiro e precisa
cumprir regras específicas”, diz.
Segundo Faro, a jurisprudência na Câmara Superior do Carf é
desfavorável “há bastante tempo” e o cenário também não é positivo no Tribunais
Regionais Federais (TRFs). Ele tem duas decisões definitivas favoráveis sobre o
assunto, de segunda instância. Na Câmara Superior do Carf, menciona caso
recente que esteve em julgamento, mas foi suspenso por um pedido de vista do
novo presidente, com placar em 4 a 3 para a União (processo nº
16682.722324/2017- 67).
Advogados defendem ainda que a tese das seguradoras difere
da que foi julgada em junho do ano passado de forma desfavorável para as
instituições financeiras, no STF (Tema 372). Nesse caso, por maioria, os
ministros entenderam que as receitas financeiras integram a atividade típica
dos bancos, portanto, devem compor a base dos tributos. Para as seguradoras,
contudo, não poderia ser aplicada a mesma lógica.
“Existe uma peculiaridade na prestação do serviço e na
obrigação legal de ter esse ativo garantidor”, diz Priscila Regina de Souza,
sócia do Loeser e Hadad Advogados, acrescentando que “a decisão do Carf é muito
coerente e está bastante alinhada com o conceito de receita bruta e
faturamento”. “Qualquer decisão diversa é não respeitar a própria legislação.”
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral da Fazenda
Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição. A Mapfre informou,
em nota, que “não comenta decisões judiciais”.