Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e Presidente da Academia Paulista de Letras
OUTRO TIPO DE VIOLÊNCIA
Nada é mais nefasto para o seguro do que a violência. 22 de Outubro de 2021Nada é mais nefasto para o seguro do que a violência. Violência da
natureza, violência humana, violência imprevisível, violência sem querer,
violência deliberada, todas as suas formas impactam negativamente a operação de
seguros, sendo responsável pela maioria dos sinistros indenizados pelas
seguradoras.
Um furacão é um evento violento, da mesma forma que um tornado, uma
erupção vulcânica ou uma tempestade tropical. De origem natural, esses eventos
são extremamente violentos e não dependem do ser humano, mas são capazes de
causar danos imensos, nas mais variadas partes do globo, a maior parte dos
quais não é segurada.
Será que essa análise está correta? Até certo ponto, sem dúvida, mas há
outro lado que necessita ser observado e que mostra, invariavelmente, que o ser
humano, ainda que não tendo interferência na ocorrência do fenômeno, tem
participação nas suas consequências. Seja por omissão ou por ação, o fato é que
parte dos danos sofridos pela sociedade em virtude da ocorrência de eventos de
origem natural tem na base a ocupação humana da área atingida, normalmente as
mais sujeitas a esse tipo de ocorrência.
Então, ao se fazer a leitura desses desastres, além de violência natural,
é possível se falar na ação humana aumentando a violência natural, tanto pela
omissão das autoridades, como pelos movimentos das pessoas que se instalam nas
áreas sujeitas aos riscos dos danos de origem natural.
Permitir a ocupação de uma área sujeita a terremotos é uma temeridade,
mas será que seria possível evitar a ocupação da região de Lisboa, a capital
portuguesa? Será que seria possível impedir a ocupação de Miami? A primeira
está localizada numa das regiões da terra mais sujeitas a terremotos e a
segunda está no centro da rota dos furacões. E estão ocupadas há séculos, sem
que ninguém tenha a menor pretensão de mudar qualquer coisa.
Mas, se não há como impedir a existência de cidades como elas, é possível
impedir que áreas dentro ou próximas de regiões urbanas, sabidamente em locais
de risco, sejam ocupadas. É o caso da Vila Pantanal, em São Paulo, das encostas
da Serra do Mar, na beira da Via Anchieta, ou dos morros na região serrana do
Rio de Janeiro. Será que não seria possível, no início do
processo, impedir sua ocupação?
Com certeza, sim. Mesmo que a proibição não evitasse os acidentes, com
certeza evitaria que eles atingissem pessoas e seus patrimônios, matando e
destruindo, como acontece todos os anos.
Então, por que as autoridades não proíbem ocupações como essas e outras,
que inclusive destroem nascentes e áreas de preservação ambiental,
comprometendo a qualidade de vida e agravando os riscos da ocorrência de novos
eventos com cada vez mais capacidade de destruição? Se a resposta fosse simples,
o mundo seria um lugar de paz e felicidade e não teria as desigualdades que
fazem a vida, por vezes, parecer tão cruel.
A omissão, a incompetência, a negligência, a corrupção e a conivência são
formas de violência mais graves do que os assaltos, sequestros, roubos ou
atentados contra a vida humana. Não são produtos “Made in Brasil”.
Existem e acontecem ao redor do globo, em países ricos e pobres, da mesma
maneira.
Mas eles têm uma agravante que a violência praticada pelos criminosos
nunca terá, pelo menos no mesmo grau de severidade. Eles estão na origem de boa
parte da violência social que só grassa porque, desde o início, tem a violência
natural como componente que ameaça a vida das pessoas afetadas, na falta de
água, nas tempestades, nos deslizamentos, nas enchentes, calor, frio, etc., que
dão suporte aos outros problemas – estes de responsabilidade humana – como
falta de saneamento básico, salubridade, assistência social, saúde, educação e
segurança, que geram os apavorantes índices de violência e criminalidade que
são a marca registrada de nossa sociedade.
É verdade, parte desses prejuízos podem ser cobertos por apólices de
seguros. Mas o seguro apenas remedia situações de perda. Ele não tem o condão
de evitar a violência e menos ainda de impedir seu crescimento.