Jornalista especializada na indústria de seguros brasileira e internacional
Algoritmos são usados para otimizar (ou não) os preços de seguros
Concorrência acirrada e clientes cada vez mais exigentes tornam mandatório o investimento em cultura de gerenciamento de risco e em tecnologia 16 de Abril de 2024Eis o mais recente artigo para o Infomoney
Claro que ninguém quer perder dinheiro. Muito menos as seguradoras. Uma coisa que poucos sabem é que elas têm o direito de buscar reembolso pelos prejuízos que pagaram aos seus clientes devido a danos causados por terceiros. Por isso não se assuste se receber da seguradora uma mensagem de cobrança pelos danos causados a alguém que não foram indenizados por você ou pela sua seguradora.
Isso é conhecido como sub-rogação. Quando uma seguradora paga uma indenização a um segurado por danos causados por outra pessoa ou entidade, ela pode buscar reembolso desses valores junto ao responsável pelos danos. Isso é feito para proteger a seguradora contra perdas financeiras injustas e para responsabilizar os culpados pelos danos que causaram. Em muitos casos, quem paga por estes valores é a seguradora do réu. Se ele não tem seguro, terá de arcar com a conta.
Recentemente, a Juíza Ana Paula da Veiga Carlota Miranda, da 3ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá, condenou a Energisa Mato Grosso – Distribuidora de Energia a ressarcir a Porto Seguro em R$ 8,3 mil. A sentença foi resultado de uma ação de ressarcimento de danos movida pela seguradora contra a concessionária de energia elétrica. Segundo a magistrada, ficou comprovado que os danos ocorreram devido a um surto elétrico na rede de energia fornecida pela ré, a Energisa Mato Grosso. A responsabilidade da concessionária de energia elétrica foi baseada na legislação, que estabelece a responsabilidade objetiva das empresas prestadoras de serviços públicos. Além disso, foram citados dispositivos do Código Civil que tratam da reparação de danos causados a terceiros por ato ilícito.
O valor da sentença é irrisório diante dos números divulgados pela empresa no ano passado, como o lucro de R$ 2,26 bilhões e as vendas de R$ 31,7 bilhões. Mas, se estiver ocorrendo em outros estados, onde a penetração de seguros é maior, pode movimentar milhões de reais para a rubrica “recuperação” do balanço financeiro. E quanto mais dinheiro entra, mais é possível baixar o preço final do seguro, com intuito de aumentar as vendas e entregar mais resultados aos acionistas.
A Porto optou por não comentar o assunto, ao ser questionada se este tipo de ação estaria ocorrendo também em São Paulo, maior mercado consumidor de seguros do Brasil. A Enel, concessionária de energia de São Paulo, do Ceará e de 66 cidades no Rio de Janeiro, enfrenta uma grave crise de multas e até ameaça de fim do contrato de concessão diante de cobranças do governo paulista pelas perdas geradas aos consumidores devido à demora no restabelecimento de energia em dias de temporais.
Além da falta de luz que prejudicou hospitais, colégios, comércio e famílias, as árvores destruíram carros e fiações, resultando em oscilações com o liga e desliga de energia que queimaram equipamentos dos consumidores. A Enel informou, em novembro passado, quando São Paulo parou, que ‘a manutenção da arborização no espaço público, incluindo podas preventivas e periódicas para evitar o contato das árvores com a rede elétrica, é atribuição de responsabilidade das prefeituras’.
A pressão sobre os governos — federal, estaduais e municipais — para ressarcimento dos prejuízos que causam à população pela falta de gestão do dinheiro que recebem em tributos é grande. A sociedade tem valorizado o que paga e exige contrapartidas, como ter atendimento de saúde, educação, segurança. Três itens que pesam no orçamento da classe média obrigada a contratar serviços privados.
Penalizar o causador do prejuízo serve para educar as pessoas comuns e os gestores de recursos públicos. No mundo todo. Nos países desenvolvidos, boa parte da criminalidade é contida pela educação, parrudo e eficiente sistema de segurança e pelos avanços da tecnologia, com uso da IA.
Nos EUA, maior consumidor de seguros no mundo, com 44% dos US$ 7 trilhões em vendas anuais, as companhias de seguros já utilizam imagens aéreas de casas. O Geospatial Insurance Consortium, financiado pela indústria, tem um programa de imagens de aviões que diz cobrir 99% da população dos EUA. O levantamento leva em conta o investimento em segurança, se a região é propensa a inundações ou alagamentos, se está num possível trajeto de um tornado ou furação e se o governo local tem investido em gerenciamento de riscos, levando em conta um plano de contingenciamento para o agravamento dos eventos da natureza.
O escopo do trabalho do atuário leva em conta tanto o escoamento da água fluviais, a coleta de lixo, a limpeza de córregos entre outros. Se não estiver em conformidade, as seguradoras enviam uma carta para os clientes de propriedades consideradas de maior risco informando que o seguro não será renovado. Foi o que fez a State Farm, uma das maiores dos EUA, no mês passado. Avisou que planeja reduzir a cobertura em cerca de 30 mil propriedades residenciais e 42 mil propriedades comerciais.
Daí começam manifestações públicas, pois ninguém quer ficar sem seguro e correr o risco de perder ou ter seu patrimônio desvalorizado. Flórida e Califórnia impuseram tantas leis de proteção ao consumidor, que as seguradoras abandonaram as vendas em diversas cidades e os moradores ficaram sem seguros e viram os preços de seus imóveis declinarem em razão disso.
Vários estados nos EUA restringem os motivos pelos quais as seguradoras podem citar para não renovarem as apólices. O não pagamento do seguro é o principal. Entre os seguros residenciais, um dos poucos motivos permitidos é o não cumprimento da manutenção do telhado. Algo como acontece aqui com carros. Quanto mais velho o telhado, maior o risco de sucumbir a uma chuva de granizo. Então as seguradoras americanas alegam que este cliente tem de pagar mais pelo seguro.
O comissário estadual de seguros da Califórnia, Ricardo Lara, se empenha em mudar a legislação do estado para atrair as seguradoras. “O momento em que vivemos é como um casamento forçado com o setor de seguros, onde eles não vão gostar de todas as reformas que queremos fazer, e nós também não vamos aceitar tudo o que eles pedem. Vamos ficar juntos pelas crianças agora’”, disse em uma entrevista no Insurance Diversity Summit, evento realizado em Los Angeles em abril, da qual a CNseg, confederação das seguradoras, teve relevante participação. O objetivo do encontro foi debater soluções para que a população, dos EUA e mundial, que lida com preços elevados de seguros ou com a falta de oferta, consiga ter acesso a proteção financeira em tempos de eventos climáticos mais intensos.
Vemos um problema semelhante no Brasil com planos de saúde, regulados pela Agência Nacional de Saúde (ANS), fundada juntamente com a aprovação de uma lei dura para o setor de saúde em 2000. Praticamente não há mais oferta de planos individuais.
Os planos coletivos praticam aumentos abusivos. Uma parte dos que tinham planos privados migraram para o Sistema Único de Saúde, do governo federal, que não tem recursos suficientes para reduzir a fila com mais de 1 milhão de cirurgias eletivas paradas no país, segundos dados divulgados pelo Ministério da Saúde no ano passado.
O governo ainda tem de lidar com a judicialização da saúde e com as queixas do consumidor de saúde, líder no ranking de reclamações de órgãos reguladores. Foram identificados, em 2022, cerca de 460 mil novos processos judiciais sobre saúde no Brasil, sendo 164 mil sobre saúde suplementar, segundo o Painel de Estatísticas Processuais de Direito da Saúde, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Dados da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) revelam que entre os assuntos mais judicializados estão o fornecimento de medicamentos, o tratamento médico-hospitalar, o reajuste contratual e os leitos hospitalares. Ou seja, ninguém feliz nesta rede de conexão e a discussão parece ser infinita, sem solução do problema para a sociedade.
Uma das saídas das seguradoras tem sido usar a IA para equilibrar as expectativas e os resultados futuros. O Brasil ainda trabalha para tornar o banco de dados que tem de fato inteligente. A pretensão é ter um mercado de seguros mais maduro com o convencimento dos usuários a autorizarem o compartilhamento de dados. Clientes relutam em aceitar descontos em troca do consentimento às seguradoras de automóveis que querem rastrear como seus clientes dirigem.
Depois disso, o esforço está na organização e análise dos dados para aprimorar a avaliação dos sinistros, a personalização de apólices, incremento do atendimento ao clientes, na detecção de fraudes e nas previsões de tendências usando dados históricos e algoritmos generativos para que possam prever tendências futuras no mercado de seguros e se prepararem para alterações no produto diante do comportamento do cliente, do ambiente regulatório, da macroeconomia e das mudanças climáticas.
Enquanto o banco de dados cresce e a inteligência artificial aprende a analisá-lo, a sociedade é treinada para colocar em prática a máxima do ditado popular: “o custo do cuidado é sempre menor do que o custo do reparo”.