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A conta do clima chegou e impacta o mercado de seguros

Eventos climáticos extremos mexem em modelagens de risco e afetarão o preço de apólices

Valor Econômico - 29 de Outubro de 2024

A cobertura de danos causados por catástrofes pode não ser novidade para o mercado de seguros, mas as mudanças climáticas têm trazido novos desafios. A frequência e a severidade com que esses eventos ocorrem acendem um alerta no setor. As seguradoras estão ajustando suas modelagens de risco para acompanhar essa nova realidade.

Segundo a resseguradora Munich Re, desastres naturais causaram perdas de US$ 120 bilhões apenas na primeira metade do ano. Desses, 68% são resultado de eventos climáticos extremos, como tempestades, inundações e incêndios florestais. As perdas seguradas totalizaram US$ 62 bilhões, acima da média de US$ 37 bilhões dos últimos dez anos. O Brasil costuma representar cerca de 1,5% dessa cifra, mas os eventos extremos no país, como as enchentes no Rio Grande do Sul, têm ganhado intensidade, com perdas próximas de R$ 6 bilhões.

Um levantamento do Swiss Re Institute revelou que 27 catástrofes em 2023 resultaram em US$ 5,1 bilhões em perdas seguradas e quase US$ 16 bilhões em perdas econômicas na América Latina. Globalmente, 76% das perdas seguradas estão associadas a eventos climáticos extremos. Exemplos incluem tempestades severas e tornados nos EUA, com perdas de US$ 45 bilhões, e chuvas históricas no golfo Pérsico, que causaram US$ 8,3 bilhões em danos nos Emirados Árabes Unidos.

O CEO da Munich Re, Karsten Steinmetz, destaca a dificuldade de estimar as perdas de 2024, dado o comportamento atípico do clima. Ele menciona o furacão Milton, na Flórida, um dos mais intensos em tamanho e velocidade, mas com impacto menor que o esperado. “Em 2024, as perdas climáticas podem chegar a US$ 150 bilhões”, diz Steinmetz.

A Swiss Re reforça que a avaliação de riscos precisa mudar, dado o aumento da frequência e da gravidade dos eventos climáticos. No Brasil, exemplos incluem ciclones, secas e chuvas torrenciais no Rio Grande do Sul, além da tempestade que deixou São Paulo sem energia em outubro. “Precisamos educar corretores e clientes para facilitar o acesso ao seguro”, afirma Fred Knapp, presidente da Swiss Re Brasil.

Knapp ressalta que é essencial detalhar os riscos de forma mais precisa. “O nível de exposição a novos fenômenos, como deslizamentos, precisa ser melhor identificado. Esse trabalho deve ser feito a quatro mãos, para que o consumidor entenda os benefícios do seguro”, explica.

No caso das enchentes no Rio Grande do Sul, as perdas foram de R$ 5,8 bilhões até julho, podendo chegar a R$ 10 bilhões. Porém, apenas 8% a 10% desse total estava segurado, o que demonstra um grande gap de proteção.

Segundo Felipe Nascimento, CEO da Mapfre no Brasil, a imprevisibilidade dos eventos climáticos torna mais difícil calcular riscos e precificar apólices. Além disso, há pressões regulatórias e sociais para que o setor adote práticas mais sustentáveis. “As seguradoras estão sendo encorajadas a direcionar investimentos para projetos e empresas sustentáveis, o que exige uma reavaliação das estratégias de investimento”, afirma Nascimento.

Eventos extremos também estão encarecendo apólices. O Global Insurance Market Index da Marsh mostra que, na América Latina e Caribe, as taxas de seguro para riscos patrimoniais subiram 2% no segundo trimestre de 2024, influenciadas pelo Brasil. Catástrofes recentes, como as chuvas no Rio Grande do Sul e os deslizamentos no litoral norte de São Paulo, levaram as seguradoras a revisar critérios de subscrição e limitar a cobertura para inundações.

A Guy Carpenter, que administra US$ 61 bilhões em contratos de resseguros globalmente, lançou uma nova ferramenta de modelagem preditiva de riscos climáticos no Brasil. A solução utiliza dados meteorológicos, topográficos e ambientais para prever perdas financeiras no setor público e privado. “Essa ferramenta é inovadora para o Brasil, ajudando a estimar impactos de vendavais e alagamentos com precisão”, explica Pedro Farme, CEO da Guy Carpenter.

Apesar das restrições na oferta de seguros em regiões como Flórida e Califórnia, o Brasil mantém um mercado funcional e capaz de assumir riscos. “No caso do Rio Grande do Sul, o mercado segurador estava preparado, com 60 mil pedidos de indenização atendidos para automóveis, residências, empresas e infraestrutura”, afirma Dyogo Oliveira, presidente da CNseg.

Segundo Oliveira, as perdas totais com a catástrofe gaúcha podem chegar a R$ 100 bilhões, sendo R$ 6 bilhões segurados. No entanto, ele alerta para a necessidade de atenção, já que a infraestrutura urbana é frágil para lidar com eventos extremos e o índice de cobertura ainda é baixo. “Apenas 15% dos imóveis, 10% das pequenas empresas e 11% das pessoas têm seguro de vida. No caso do seguro rural, a cobertura é de apenas 10%, enquanto os desastres climáticos estão em alta”, conclui Oliveira.