Riscos cibernéticos assustam Davos
Ataques hackers se tornam maior fator de risco para CEOs
Valor Econômico - 02 de Fevereiro de 2022Por Daniel Rittner, repórter especial do Valor Econômico em Brasília
O que cabe em 60 segundos? No mundo virtual, é tempo
suficiente para 197 milhões de e-mails enviados, 69 milhões de mensagens no
WhatsApp, 695 mil stories compartilhadas no Instagram, 9.137 conexões feitas no
LinkedIn, 500 horas de vídeos subidos no YouTube, 5 mil downloads do TikTok. A
interconectividade aumenta, mas não é só entretenimento.
A reunião presencial do Fórum Econômico Mundial foi suspensa
pelo segundo ano consecutivo, desta vez pelo avanço da variante ômicron, mas
suas discussões on-line revelaram preocupação com a cibersegurança. Em todas as
edições do encontro em Davos, a empresa de consultoria e auditoria PwC divulga
uma pesquisa com milhares de CEOs que funciona como espécie de “pontapé
inicial” dos debates: se eles estão otimistas ou pessimistas, quais mercados
veem como mais atrativos nos meses que vêm pela frente, o que causa mais
temores. Neste ano, os riscos cibernéticos foram apontados como principal
ameaça global, de forma inédita. Para 49% dos 4.400 entrevistados, em 89
países, nenhum outro fator gera tanta insegurança - acima de questões
sanitárias (48%), mudanças climáticas (33%), conflitos geopolíticos (32%).
Para o sócio-presidente da PwC Brasil, Marco Castro, a
rápida expansão do comércio eletrônico e a popularização do modelo híbrido de
trabalho, além do aumento dos dados em nuvem, explicam a percepção de risco
cada vez maior. De fato, segundo a União Internacional de Telecomunicações
(UIT), só em 2020 - o primeiro ano da pandemia - houve crescimento de 30% no
tráfego pela internet.
No Brasil e no exterior, roubos de dados ou ataques hackers
do tipo ransomware (com pedidos de resgate, geralmente usando criptomoedas,
para a liberação de acesso bloqueado) ganharam visibilidade. Nos Estados
Unidos, uma única senha roubada teria deflagrado o ataque à operadora de
oleodutos Colonial Pipeline, ameaçando o fornecimento de combustíveis para 12
Estados americanos por dias. A gigante de seguros CNA pagou US$ 40 milhões para
recuperar controle sobre informações estratégicas. Por aqui, a CVC sofreu
invasão hacker que derrubou sistemas e plataformas de atendimento.
Para dimensionar os riscos e identificar potenciais
respostas a violações, o Fórum Econômico Mundial fez uma pesquisa com 120
lideranças empresariais da área cibernética e apresentou seus achados na “Davos
virtual”. Primeiro, algumas constatações: as tentativas de invasão subiram 151%
em 2021. Cada companhia recebeu 270 ataques, em média, no ano passado. Toda vez
que uma operação criminosa é bem- sucedida, o prejuízo chega a US$ 3,7 milhões.
E não se trata apenas do dano imediato. Seis meses depois de cada episódio, as
ações das empresas de tecnologia que enfrentaram esse tipo de ataque têm
desempenho 3% inferior ao da variação do índice Nasdaq. O recado do mercado, em
resumo, é: estamos desconfiados de você.
Na “dark web”, segundo o relatório do fórum, serviços de
hackers - mudanças das notas de alunos em universidades até eliminação de
dívidas bancárias (tudo fraudulento e executado por meio de invasões) - podem
ser contratados por menos de US$ 1 mil. Há fartura de ofertas.
Apesar do reconhecimento de que isso tem se tornado uma
ameaça, a cadeia de decisões e respostas ainda não reflete esse novo ambiente.
Na pesquisa, sete em cada dez líderes veem as questões cibernéticas como já
relevantes ou proeminentes no gerenciamento de riscos das empresas. O problema
é outro: dois terços apontam falta de recursos humanos para lidar com os
perigos do mundo virtual, ou seja, falta de gente qualificada e em quantidade
suficiente na área de TI. Efeito: demora-se, na média, 280 dias para detectar e
responder a uma tentativa de ataque.
Davos erra com frequência, e deixa crises reais de lado, sem
serem percebidas a tempo. No encontro anual dos bilionários, pouquíssimos
falavam de um estouro da bolha imobiliária em 2008. No início de 2016, o Brexit
era tratado com deboche nos Alpes suíços e os magnatas davam risada das
pretensões de Donald Trump. Em 2020, o novo coronavírus já circulava em Wuhan,
mas a pandemia não aparecia seriamente nos riscos globais indicados pelo fórum.
Não parece, porém, que as ameaças cibernéticas sejam temor infundado dos super-
ricos na montanha mágica.