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Americanas pode causar impacto bilionário no seguro de crédito

Aprovação de uma eventual recuperação judicial é gatilho para indenizações

Valor Econômico - 19 de Janeiro de 2023

A aprovação de uma eventual recuperação judicial da Americanas pode ser o gatilho para um dos maiores eventos de sinistro na história do mercado brasileiro de seguros, com impacto bilionário no segmento de risco de crédito.

Segundo fontes próximas às seguradoras e especialistas ouvidos pelo Valor, ainda que não seja possível determinar com precisão o montante financeiro protegido, as estimativas indicam que as apólices detidas por fornecedores da rede teriam coberturas de R$ 1,2 bilhão a até R$ 3 bilhões. O deferimento por um juiz de uma recuperação judicial (RJ) é condição prevista nos contratos como iniciadora de um sinistro no seguro de crédito.

Até início da noite de ontem, a RJ da Americanas era algo iminente, apurou o Pipeline, site de negócios do Valor. O termo sinistro é usado pelo setor para definir acontecimento que causa danos a bem segurado e justifica indenização. No caso de RJ, as seguradoras têm até 30 dias para pagar fornecedores que detêm apólices. Felipe Tanus, diretor de risco de crédito da Allianz Trade Brasil, seguradora de fornecedores da varejista, disse em nota ao Valor que, caso o caminho seja a RJ da empresa, a Allianz irá indenizar seus segurados “e consequentemente não teremos mais apetite de risco ao nome” [Americanas].

A empresa não informa seu nível de exposição. “Caso a negociação com os bancos seja bem sucedida, e que não recebamos atrasos nos compromissos com nossos clientes, devemos reavaliar nosso apetite frente a nova empresa após as devidas reclassificações e comprometimentos com o mercado.”

Sobre um efeito em cascata, sobre outros fornecedores menores da Americanas, Tanus diz que “espera um impacto controlável para a cadeia”, e reforça que não tinha uma alta concentração de risco ao grupo. “O mercado deve reavaliar suas exposições e apetite a risco de forma mais ampla.”

O vice-presidente de riscos corporativos e sinistros da corretora e consultoria Alper, Ilan Kajan, afirma ver um cenário de eventual recuperação judicial da Americanas como um dos maiores sinistros da história do mercado brasileiro causado por um único evento. Segundo o executivo, estimativas indicam uma exposição das seguradoras do mercado ao risco Americanas em torno de R$ 2 bilhões. Ainda segundo Kajan, só na carteira da Alper há clientes que teriam R$ 200 milhões a receber numa RJ.

Outro dado que corrobora a estimativa é o fato que a seguradora com maior exposição em seguro de crédito à Americanas “tem responsabilidade de cobertura sobre estimados R$ 1,2 bilhão, que podem se tornar sinistros se o cenário de RJ se concretizar”, diz.

O CEO e fundador da CredRisk, Phillip Krinker, tem projeções parecidas com as da Alper. Segundo o especialista, “não é um número fácil de estimar, mas a exposição do mercado de seguro de crédito à Americanas com certeza é mais de R$ 1 bilhão e pode chegar até R$ 3 bilhões”. Se a exposição alcançar o teto da estimativa, isso equivale a um desembolso de metade do que todo o setor pagou em indenizações para beneficiários de vítimas de covid-19 em apólices de vida desde março de 2020.

Para o CEO da MDS Brasil e gestor regional para as Américas da rede global Brokerslink, Ariel Couto, os cenários ainda são hipotéticos. “Na verdade a gente não sabe se a Americanas vai pedir uma RJ ou não, mas isso seria um gatilho, porque recuperação judicial é um risco coberto pelas apólices”, diz. “A empresa tem sócios que podem ajudar a capitalizá-la, e uma operação de capitalização complementar bem-sucedida, com apoio dos bancos credores, pode impedir uma RJ e um eventual sinistro.”

De acordo com Felipe Bastos, sócio do Veirano Advogados, o seguro de crédito também protege contra insolvência e atrasos no pagamento de uma fatura. Além disso, indenizações bilionárias cobrem apenas uma parte das dívidas totais. “As apólices não cobrem 100% do crédito, porque sempre tem participação obrigatória do segurado, como uma franquia, ou seja, ambos, seguradora e segurado, vão participar da perda”, diz.

Conforme Bastos, essa fatia não coberta pelos contratos varia de acordo com a percepção de risco, mas está, em geral, entre 5% e 20% do valor do crédito. O especialista aponta ainda que o prêmio pago para contratar uma apólice do tipo costuma equivaler a um percentual sobre o valor total da linha. “Geralmente está entre 1% e 2%, variando de setor para setor”, afirma.

Na situação atual da Americanas, Kajan, da Alper, afirma que as seguradoras cortaram o limite de seguro de crédito para a varejista. “Não é que estejam selecionando o risco de Americanas, no momento, as torneiras estão fechadas [a fornecedores da varejista]. Novas vendas não estão sendo seguradas.”

Segundo fontes de fornecedores da rede que pediram para não serem identificadas, as seguradoras chegaram a fechar totalmente a cobertura, mas, desde o início da semana, passaram a discutir com as indústrias uma divisão de risco. Caso os fornecedores queiram manter os limites de crédito para vendas à varejista, as companhias têm proposto que o risco seja dividido entre a indústria e o subscritor do seguro.

O seguro de crédito é uma peça importante como garantia em operações de venda a prazo. Sem a proteção, as linhas podem ficar mais caras e escassas. Outra discussão presente no mercado em relação ao caso Americanas se refere à possibilidade de exclusão de indenizações, quando há comprovação de fraude. No entanto, afirma Krinker, da CredRisk, esse tipo de desfecho não afetaria o pagamento de indenizações no seguro de crédito detido por fornecedores. “As apólice excluem fraude, mas se forem cometidas pelo segurado”, explica o executivo. “Não existe, na verdade, risco de fraude para o segurado. Se ele vendeu e quer receber, o risco está coberto”, acrescenta o especialista.

A perspectiva de haver ou não uma concretização do sinistro de crédito, entretanto, ainda permanece nebulosa. Na visão do gerente de crédito e seguro paramétrico da Marsh Brasil, Caio Lhano, “uma situação dessas liga um alerta das seguradoras”. A diretora de crédito e garantia da Marsh Brasil, Tatiana Moura, reforça que “muita coisa ainda vai acontecer na negociação e não tem como prever [o desfecho]”.

Um outro tipo de seguro que pode ser impactado é o chamado “Directors and Officers”, ou D&O, que protege executivos contra processos, como trabalhistas, tributários, falimentares ou ainda investigações administrativas. O formulário de referência arquivado na Comissão de Valores Imobiliários (CVM) no fim de 2022 pela Americanas cita apenas uma apólice, emitida pela Zurich Minas Brasil, que tem limite máximo de R$ 50 milhões. Segundo o documento, o prêmio pago para a contratação alcançou R$ 883,5 mil.