Planos de saúde querem regras sobre exames desnecessários
Representante das operadoras cita recorde de exames de vitamina D e diz que protocolos são necessários para deixar setor mais saudável
Poder 360 - 16 de Abril de 2024Os planos de saúde devem avançar na discussão de criar regras e protocolos que racionalizem o acesso a procedimentos e exames que julgam desnecessários, afirma em entrevista ao Poder360 Marcos Paulo Novais, superintendente da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde).
O setor passa por uma crise no período pós-pandemia, com
aumento de custos e de procedimentos eletivos que ficaram represados durante a
crise sanitária. Os planos tiveram, em 2022, prejuízo operacional de R$ 11
bilhões – o pior resultado da série histórica que começou em 2001. Os dados de
2023, que serão divulgados em breve, devem indicar novo prejuízo por volta de
R$ 9 bilhões. O resultado operacional é aquele que considera só os valores com
serviços de saúde (desconsidera ganhos com operações financeiras, por exemplo).
Os usuários de planos de saúde, que atingiram número recorde
(51 milhões) em 2023, também estão insatisfeitos. Foram 353 mil queixas
registradas pela ANS no ano passado, um aumento de 50% em relação ao ano
anterior. Reclamam de negativas injustas, protelação dos planos, não
cumprimento de acordos.
Novais diz que o caminho para superar o problema de
financiamento e reduzir as queixas dos usuários por falta de atendimento passa
por, além de colocar mais regras para evitar exames desnecessários, lidar com a
judicialização do setor, melhorar o combate às fraudes contra os planos (para
direcionar melhor os recursos) e trazer novamente usuários mais jovens ao
serviço.
Leia abaixo trechos da entrevista de Novais ao Poder360:
CRISE NO SETOR
“A gente nunca tinha passado por 3 anos de prejuízo
operacional (…) Do começo em 2021 com R$ 1 bilhão de prejuízo operacional vai a
2022 com R$ 11 bilhões. Em 2023, a gente já está em um prejuízo operacional de
cerca de 7 bilhões de reais [até o 3º trimestre]. Devemos totalizar 3 anos com
R$ 20 bilhões de prejuízo operacional”.
“O que a gente está discutindo agora são tratamentos
específicos que custam R$ 10 milhões para uma única sessão de tratamento e para
uma doença normalmente muito rara. Além disso, a gente ainda tem pacientes
oncológicos daquele pós-pandemia que fizeram menos rastreio e estão
identificando mais tarde. O tratamento fica muito mais difícil, o paciente está
tratando um câncer mais avançado e também mais caro (…) Tudo isso junto atuando
em conjunto fez com que realmente gerasse um prejuízo à pressão muito grande,
porque as despesas cresceram de forma desenfreada.”
RECLAMAÇÕES DE USUÁRIOS
“De fato, o número de reclamações quando a gente olha
números da ANS, eles cresceram. Cresceu também o volume de atendimentos. A
gente vai ter 1,7 bilhão de procedimentos cobertos (…) Acho que a gente tem que
sopesar o que é essa organização. São 3 milhões de novos exames por dia pagos
por plano de saúde.”
EXAMES DESNECESSÁRIOS
“Tem muito exame desnecessário. Só para dar um exemplo, um
exame que é campeão, em volume, é vitamina D [cuja principal forma de se
adquirir é ficar exposto ao sol]. Quer dizer aí num país tropical como o nosso
Brasil a gente ser campeão em vitamina D, não faz sentido”.
“Nós somos o país que mais faz ressonância magnética em todo
o mundo. Isso não é comum. A gente passa os padrões americanos, que já não são
considerados os melhores”.
“A gente precisa passar por uma discussão muito grande de
protocolos e diretrizes. Mas, para isso, precisamos de um acesso à saúde que
seja mais regrado. Não é porque a gente deseja que nós vamos fazer uma
ressonância magnética. [Tem que ser] porque o médico entende que é necessário
ou talvez não, ou talvez [o médico faça] apenas uma anamnese e aquele paciente
vai para casa se cuidar.”
“Nós fomos habituados a ter um acesso rápido a qualquer tipo
de cirurgia e procedimento. Agora, nós, os planos e os profissionais de saúde
também, [vamos ter que nos acostumar a] ter um acesso mais regrado, né? Não é
porque eu quero fazer um acompanhamento de nutricionista de performance que eu
vou medir minha vitamina D de 3 em 3 meses, porque isso não faz sentido de
ponto de vista de saúde e o sistema não vai ficar saudável. A gente tem que ter
protocolos. A nossa proposta é para que a gente tenha que passar por protocolos
de, senão tudo, quase tudo de serviço de saúde”.
“A gente inclusive já está em vias de fazer uma primeira
submissão, uma diretriz de utilização para um dos procedimentos do rol de
procedimento de saúde. A gente entende que de forma alguma é limitar o acesso,
mas sim regrar o acesso para que a gente consiga ter uma racionalidade”.
FRAUDES
“A gente começou a identificar um mesmo atendimento médico
sendo solicitado do reembolso em múltiplas operadoras. O implante capilar vira
12 recibos de consulta. Pessoas que começam a fazer um acompanhamento
nutricional e começam a ter, de 3 em 3 meses, 50 pedidos de exame ao custo de
R$ 25.000. A gente também tem hoje laboratórios que são um CNPJ para poder
conseguir fazer reembolsos de R$ 25.000”.
“A gente precisa tipificar o crime de fraude em saúde para
que as pessoas possam entender que é crime e que a gente tenha uma grande arma
para que ele seja evitável, porque hoje é um senso de impunidade muito grande.”
FALTA DE PAGAMENTO DOS PLANOS AO SUS
“A gente é cobrado [pela União] 2 anos depois que o
atendimento aconteceu. Aquilo que você fez no SUS há 2 anos chega a conta para
a operadora hoje, talvez você já nem seja meu cliente. Talvez eu nem tenho esse
contrato, é muito difícil o acesso ao prontuário para saber se aquele
procedimento foi de fato feito. O processo [de cobrança] é ruim”.
“Assim que um beneficiário de plano de saúde dá entrada no
hospital do SUS, que ele notifique a operadora para que a gente já saiba que um
paciente de plano de saúde está ali, inclusive para que a gente possa entrar em
contato com ele para entender o porquê de ele estar na unidade pública, se ele
não deseja ser removido por unidade privada ou se está com alguma dificuldade
de locomoção. A nossa maior defesa agora é que a gente possa acompanhar esse
paciente e não ficar sabendo 2 anos depois do ocorrido.”