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"Regulação no mercado de seguros não protege nada. Só dificulta e prejudica a sociedade"

Roberto Santos elogia plano de desenvolvimento do setor aresentado pela CNseg e cobra mais atenção de Brasília. Veja a entrevista

IstoÉ Dinheiro - 24 de Março de 2023

A Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) apresentou ao mercado este mês o Plano de Desenvolvimento do Mercado de Seguros, Previdência Aberta, Saúde Suplementar e Capitalização (PDMS). O programa tem como objetivos principais aumentar em 20% a parcela da população atendida pelos produtos do segmento e elevar o pagamento de indenizações e demais benefícios dos atuais 4,6% para 6,5% do Produto Interno Bruto (PIB). A estimativa da entidade é que, em termos de receita, o PDMS atinja 10% do PIB em 2030.

O executivo Roberto Santos, presidente da seguradora Porto Seguro e do Conselho Diretor da CNseg, destaca as propostas da entidade, mas critica a forte regulamentação sobre o setor por parte do governo federal. Segundo ele, a postura dificulta o crescimento do mercado que, em 2022, devolveu à sociedade R$ 219,4 bilhões por meio de indenizações, resgates e benefícios diante de uma receita de R$ 355,9 bilhões — o segmento de saúde e o DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre) ­— não entram nessa conta.

Qual a projeção a respeito do PDMS em meio a um cenário de crise econômica no Brasil?

ROBERTO SANTOS – Temos um plano muito bem estruturado, extremamente importante. O que vendemos na verdade? Não vendemos um contrato, uma apólice, nada disso. Vendemos proteção. Qualquer sociedade em qualquer lugar do mundo precisa de proteção. O grande desafio aqui é divulgar uma questão de cultura. As pessoas precisam entender que a proteção é necessária, porque no fundo no fundo elas só buscam se proteger quando o risco é iminente, o que não pode acontecer.

Como ocorreu na pandemia?

Nunca passamos por algo parecido no Brasil. Vimos de perto o risco iminente da morte. E, na sequência, vimos pessoas buscando proteção através de quê? De seguro de vida. Os países mais desenvolvidos em seguro, não por coincidência, passaram por guerras, como a Alemanha e a França. Você pega o Japão, por exemplo. Ficou destruído no pós-guerra. As pessoas precisam de proteção.

De que forma o governo federal pode contribuir para a expansão do setor?

O ministério da Fazenda diz olhar para a questão do seguro. Precisa olhar mais. E olhar como? Ter uma agenda de dedicação, de ouvir mais as necessidades do setor. O plano abrange 65 iniciativas das mais diversas. Uma das principais é garantir mais flexibilidade. O mercado é muito engessado. Tem condições de criar produtos mais simples, mais flexíveis, mas muita coisa não é feita por causa da regulação. Existem muitas oportunidades de crescimento.

Em qual área, por exemplo?

Em seguro-saúde. Nós temos o SUS (Sistema Único de Saúde). E temos a saúde suplementar. O que aconteceu ao longo dos anos? O seguro-saúde individual foi inviabilizado. Por quê? Excesso de regulação. Eu vou me aposentar em breve. E aí, como vai ser? Vou ficar dependendo do SUS? Não, terei de pagar um plano privado. Como? Vou precisar montar uma empresa, para poder contratar um seguro empresarial. Porque ninguém mais vende seguro individual de saúde.

Por qual motivo?

Primeiro, o preço. Saúde é algo caro. Existe um negócio chamado variação de custo médico hospitalar (VCMH), que é a inflação da saúde. Isso é sempre muito maior do que a inflação média da economia. Então, as empresas precisam reajustar os preços todo ano. Ele [governo] que diz quanto é o reajuste que você [empresa] pode dar. E ele não aceita por uma questão política, social, que o reajuste reflita a variação de custo médico-hospitalar. Então, limita esse reajuste a algo menor. Com isso, a conta não fecha para a seguradora. Sem contar outros detalhes que não cabe falar aqui. E olha a importância da coisa.

Como driblar isso?

Imagine se não existisse a saúde suplementar durante a pandemia? O SUS iria dar conta? Claro que não. Se você cria produtos flexíveis, as coisas se arrumam. Se a seguradora vai botar um reajuste mais alto do que deve, do que precisa, a concorrente do lado colocará um menor e venderá mais. O mercado se acomoda. Regulação do governo no mercado de seguros não protege nada. Só dificulta e prejudica a sociedade. Não precisa ter essa regulação em preço. Na verdade, só dificulta e prejudica a sociedade. O mercado vive de concorrência, se ajusta. Outro exemplo: você sabe o que aconteceu com o seguro DPVAT? Desapareceu. Por quê? Outra decisão do governo. São questões regulatórias que passam do ponto.

E as consequências?

No caso do DPVAT, o governo, por lei, é obrigado a fazer o seguro. Com isso, está pagando as indenizações através da Caixa Econômica sem ter prêmio. As pessoas que têm carro estão com o seguro de graça. Só que a reserva para isso acaba este ano. E como vai ser em 2024?

Como convencer o brasileiro a fazer seguro numa situação de crise econômica?

É um problema de renda da população. Quando falamos que a questão do seguro per capita no Brasil é inferior ao de muitos países, tem a ver com isso, com a situação da economia. Como é que eu vou vender seguro de automóvel para um cara que não tem carro? Então, não tem muita mágica. Esse é o grande desafio. Isso a gente não tem como mexer, é uma questão econômica. Mas também não dá para ficar quieto e não fazer nada porque o Brasil tem um problema de economia. Uma coisa é o que anda em função da economia. A outra coisa é o que eu preciso fazer.

Como equacionar isso?

No Brasil tem muita gente que tem carro e que não contrata seguro. É com esse público que eu quero falar. Já o seguro de vida eu não vou vender com capital de R$ 1 milhão para um cara que está no Bolsa Família. Mas esse cara não pode comprar uma assistência funeral? Nós temos soluções no mercado para isso, acessíveis, mas a população não sabe. Então, nosso papel é de comunicar.

Qual a saída para encorajar as empresas a investirem diante de crise política e de um governo ainda em adaptação?

Quando foi que a gente não teve problema em economia? Já tivemos cenários de hiperinflação, quase três dígitos. E isso não inviabilizou a atividade do segmento de seguros. Esse mercado é muito resiliente. Existe um potencial de penetração ainda muito grande no segmento. O seguro residencial, por exemplo, não chega a 15%. É um índice muito baixo. Por desconhecimento.

O que pode dizer de associações que se passam por seguradoras, oferecem preços mais baixos nos produtos e, dependendo do caso, deixam o cliente na mão?

É preciso reagir. Esses caras estão fazendo algo que não recolhe imposto. E é importante o imposto ir para o governo, porque ele retorna à sociedade. As autoridades têm de fazer a parte delas. A gente, a nossa. Essas pessoas estão vendendo, e os cidadãos estão comprando o produto deles. Por quê? Por causa de preço. Então, como combater isso? Tendo preço competitivo. E como ter preço competitivo? Sendo mais eficientes.

O que a Porto faz para ser mais eficiente?

Em 2017, em torno de 20% de tudo que a gente arrecadava era gasto para botar a empresa de pé. Hoje, estamos rodando com 12%. E não é mandando funcionários embora. Mas, por exemplo, temos um superaplicativo na companhia. Antes eram 16. Nesse superapp você resolve toda a sua vida. Em dois cliques está no chat falando com um robô que vai te ajudar a solucionar o seu problema. Isso significa que eu fui mais eficiente em reduzir as despesas porque eu não precisei ter um monte de pessoas envolvidas no processo.

São Sebastião foi bastante afetado pelas chuvas em fevereiro que culminaram em dezenas de mortes. Como foi a atuação da companhia?

A Porto deu suporte para todas as pessoas, seguradas e até não seguradas. Foram mais de 500 acionamentos no Carnaval (550, quando a média diária é 70, além de 1,3 mil serviços de remoção, 500 táxis e envio de 135 veículos).

Quanto a Porto Seguro devolveu no ano passado à sociedade?

Foram R$ 14 bilhões em indenizações de sinistros, pagamentos de benefícios de previdência, capitalização [o faturamento chegou a R$ 28 bilhões e o lucro líquido a R$ 1,1 bilhão].

Visualiza alguma tendência para o setor?

Acho que essa parte de serviços é uma coisa muito importante para a sociedade. E olhando para um futuro maior, acredito que cada vez mais com o avanço de tecnologia perceberemos uma redução de risco. Principalmente o físico. Então, a nossa indústria está se transformando muito mais de risco para de serviço.