Sócio de Penteado Mendonça e Char Advocacia e Presidente da Academia Paulista de Letras
O TRÂNSITO É UM RETRATO FEIO DO BRASIL
É comum eu voltar ao tema da violência nesta coluna. A razão para isso é simples: a violência é uma epidemia mais mortal do que a dengue ou comparável ao Covid19 em seu auge. E ela impacta diretamente o mercado segurador. 16 de Agosto de 2024É comum eu voltar ao tema da violência nesta coluna. A razão para isso é
simples: a violência é uma epidemia mais mortal do que a dengue ou comparável
ao Covid19 em seu auge. E ela impacta diretamente o mercado segurador.
Só assassinatos, em 2023, aconteceram quase quarenta mil. E as mortes no
trânsito não estão muito longe desse número. Mas estes são os dados que chamam
mais atenção. Existem outros tão ou mais
cruéis. Violência contra a mulher, estupros, abuso sexual contra crianças e
adolescentes, crimes de ódio, se somados, teremos mais de um milhão de casos
sem fazer força. E ainda temos todos os roubos e furtos que elevam a soma para
patamares apavorantes.
As ruas brasileiras são o palco ideal para se estudar o que está
acontecendo e que tem na base o esgarçamento dos padrões éticos indispensáveis
para o funcionamento de uma sociedade organizada. A regra é o mais absoluto
desprezo por qualquer regra. E como as autoridades encarregadas também não são
famosas pelo bom desempenho de sua missão, o que se vê é a soma perversa do
abuso com a incompetência, com todos os resultados que fazem do nosso trânsito
um dos mais violentos do mundo.
Não é caso de culpar quem quer que seja, mas é indispensável reconhecer a
falta de respeito de parte dos motoristas pela legislação e, mais grave, pela
vida dos outros. A tranquilidade com que assumem a possiblidade de matar outra
pessoa, seja por dirigir embriagado, seja por excesso de velocidade, seja por
trafegar na contramão ou outro motivo fútil mostra que parte dos motoristas
brasileiros não respeita a ordem social vigente, não apenas nas ruas, mas em
todas as situações. Para eles, a letra da lei é um livro que nunca leram, não
conhecem e não querem conhecer. Daí a assassinar alguém por uma discussão de
trânsito é um passo. Da mesma forma que atirar em outra pessoa por causa de um
jogo de futebol. As duas situações mostram com clareza o desprezo dessas
pessoas pela vida humana.
É raro o dia que os telejornais não mostram cenas apavorantes que
acontecem nas ruas brasileiras, desde atropelamentos, porque não respeitam as
faixas de pedestres, e acidentes causados por excesso de velocidade até
perseguições e tiros, porque alguém fez uma manobra que desagradou outro
alguém. O drama da maioria das cenas é a sua banalidade. Não tem valor moral,
não tem respeito à vida, é como se tudo fosse permitido e não houvesse na lei a
possibilidade de punição para o responsável pelo ato.
Se somarmos a isso a violência do Estado, representada principalmente
pela sua ausência ou prestação deficiente de serviços sociais indispensáveis, o
quadro fica ainda mais grave. Quando milhões de pessoas são vulneráveis à fome,
quando cem milhões de brasileiros vivem com menos de dois mil reais por mês,
quando os serviços de saúde não atendem minimamente as necessidades de centenas
de milhares de pessoas e a educação é estruturalmente deficiente, não há muito
que possa ser feito para reverter o quadro, pelo menos no futuro próximo.
Isto posto, e sem entrar nas consequências das mudanças climáticas, a conclusão
é óbvia: não tem como os seguros em geral não custarem caro no Brasil.