Rotina na saúde agora inclui sequelas da covid e serviços represados
Combate à pandemia também gerou dívidas, mas grandes grupos retomaram planos de expansão
Valor Econômico - 07 de Abril de 2022Os hospitais não arriscam definir o cenário atual como pós-pandêmico. O poder de mutação do vírus da covid-19 e os impactos que a pandemia ainda provoca recomendam cautela. Alguns dos principais grupos de saúde hospitalar, porém, já voltam a retomar planos de expansão suspensos ou acelerar tratamentos e cirurgias eletivas.
“Estamos com quadro em decréscimo, mas não se pode falar em
pós-pandemia”, diz Adelvânio Francisco Morato, presidente da Federação
Brasileira dos Hospitais, que reúne mais de 4.700 instituições hospitalares em
todo o país. “A última onda da covid não será a covid, mas o rastro de
destruição de outras doenças relegadas”, afirma Renato José Vieira, diretor-executivo
de desenvolvimento médico da Beneficência Portuguesa (BP) de São Paulo.
No auge da crise sanitária, os hospitais se rearranjaram com
a abertura de alas covid, formação às pressas de intensivistas, abertura de
novos leitos de UTI e aquisição de equipamentos e insumos como respiradores e EPIs.
Agora, tratam de compensar o tratamento de doenças que ficaram em segundo plano
e que são diagnosticadas em um estágio pior.
“A pandemia fortaleceu o papel das instituições de saúde”,
diz Fernando Ganem, chefe de medicina do Hospital Sírio-Libanês, instituição
privada que atua também na gestão de seis unidades públicas no Estado de São
Paulo, e chegou a ter mais de 6 mil pessoas internadas com covid-19 desde 2020.
“A pandemia acelerou movimentos já esperados, mas que se
tornaram urgentes, como a escassez de profissionais de saúde e a desigualdade
no acesso ao cuidado de saúde”, diz Alline Cezarani, superintendente da Rede
Santa Catarina, responsável pela administração de 19 entidades como o Hospital
Santa Catarina, em São Paulo, e a Casa de Saúde São José, no Rio de Janeiro.
Passado o ciclo mais agudo da crise, a rede não só retomou
as cirurgias, consultas e exames convencionais, mas implantou ambulatórios
pós-covid para atender pacientes que, após a alta hospitalar, apresentam
sintomas como fraqueza muscular, falta de ar mesmo em repouso, dificuldades de locomoção
e até alterações de humor e das funções cognitivas.
O Complexo Hospitalar Conceição, do Ministério da Saúde, com
quatro hospitais, 12 postos de saúde e três centros de atenção psicossocial em
Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, está com o bloco cirúrgico funcionando 100%
para botar em dia a demanda reprimida durante o pior da covid-19 e deve seguir
assim ao longo deste ano para atender casos represados, segundo sua assessoria
de imprensa. O Conceição vai desligar, até o fim do mês, 250 dos 1.200
contratos temporários remanescentes. Os equipamentos adquiridos durante o auge
da pandemia já foram alocados para o atendimento de outras doenças.
A Rede D’Or São Luiz, com 68 hospitais em dez Estados e no
Distrito Federal, que no auge da pandemia chegou a ter 3.500 pacientes
internados com covid-19, aproveitou a queda para 80 para a doação de
equipamentos, como monitores, respiradores e camas hospitalares, a hospitais
públicos.
A pausa abre caminho para que alguns retomem investimentos
de expansão, por um lado, ou procurem sanar as dívidas dos investimentos feitos
para combater a doença, por outro. No primeiro caso está a Rede D’Or São Luiz.
Os planos de expansão com investimentos de R$ 17 bilhões foram preservados. Só
no Itaim, em São Paulo, um complexo hospitalar vai ampliar a capacidade de
atendimento para 700 leitos, somados aos das unidades já em funcionamento. “O
plano de negócios está de pé”, diz Leandro Reis, vice-presidente médico da Rede
D’Or São Luiz.
“Todo o nosso planejamento estratégico se alicerça em hubs
de saúde”, afirma Renato José Vieira, da BP. Os planos, após um aprendizado
acelerado em governança e filosofia digital por conta da covid, estão sendo
retomados agora em negociações de intercâmbio de dados clínicos com operadoras
de saúde e em modelos de integração de cuidado em doenças arteriais crônica com
laboratórios.
Para a maioria dos quase 5 mil hospitais brasileiros, que
têm cerca de 100 leitos e são classificados como de pequeno ou médio porte, o
dilema é outro. Eles somam uma dívida calculada em mais de R$ 70 milhões. A
covid mostrou a deficiência de muitas unidades em aparelhagem, medicamentos e,
principalmente, em mão de obra qualificada. Os hospitais foram forçados a
suprir as carências com investimentos inesperados.
“O aprendizado da covid para os hospitais foi muito grande.
Pena que ao custo de tantas vidas e de um desafio: o que fazer com equipamentos
e pessoal ociosos. É preciso um programa de crédito do governo para ajudar à
sobrevivência dos hospitais”, diz Adelvânio Francisco Morato, da FBH.