Empresas gastam 1,7% do PIB para se proteger da violência; custo chega a R$ 170 bilhões por ano
As empresas brasileiras gastam, por ano, cerca de R$ 171
bilhões para tentar evitar episódios de violência, segundo uma compilação feita
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgada no Atlas da
Violência. O número equivale a 1,7% do PIB de 2022, o último ano com os dados
completos disponíveis.
O gasto direto das empresas na área é apenas parte do custo
social e econômico imposto pela violência no Brasil. Estima-se que o custo
total com segurança no Brasil represente, por ano, 5,9% do PIB, o equivalente a
R$ 595 bilhões, ainda segundo o Ipea. A conta inclui, além dos gastos com
segurança privada, as despesas do governo e as perdas de produtividade com
homicídios.
Estudos similares chegaram a resultados parecidos. Em 2018,
durante o governo do presidente Michel Temer, a Secretaria Especial de Assuntos
Estratégicos, ligada à Secretária-geral da Presidência, publicou relatório que
apontava para um crescimento substancial, entre 1996 e 2015, dos custos
econômicos com a criminalidade, levando eles a representar 4,38% do PIB. Outro
estudo de 2018 sobre segurança pública, divulgado pela Confederação Nacional da
Indústria, estimava perda anual de 5,5% do PIB, o que equivaleria a um imposto
de cerca de R$ 1,8 mil pagos por cidadão, por ano, em valores da época.
“As companhias precisam proteger seus funcionários e arcar
com custos não atrelados a suas atividades operacionais”, afirma a
administradora Maria Silvia Bastos, ex-presidente do Goldman Sachs, BNDES,
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e ex-secretária de Fazenda da cidade do
Rio de Janeiro. Atualmente, ela tem se dedicado a estudar o tema e a buscar
formas de engajar a sociedade civil para melhorar a situação. “De diversas
formas, a violência, que afeta a qualidade de vida e a ocupação de territórios
por parte do crime organizado, compromete os investimentos e o crescimento
econômico. Ela reduz a produtividade”, afirma.
“Os impactos
econômicos da violência vão dos custos mais diretos aos mais ocultos, como os
custos de extorsão por parte do crime organizado, que causam quebra
regulatória”, diz a economista Joana Monteiro, coordenadora do Centro de
Ciência Aplicada a Segurança da Fundação Getulio Vargas. Os gastos diretos são
os mais facilmente mensuráveis, traduzidos em pagamentos para proteção privada,
equipamentos de segurança e contratação de apólices de seguros, por exemplo. Se
esses valores ajudam a movimentar setores da economia, por outro lado,
significam que não estão sendo aplicadas em atividades produtivas.
Ainda assim, os especialistas consideram que as pesquisas
podem ser conservadoras em relação ao tamanho do problema. Mesmo que seja
possível contabilizar os gastos com a contratação de seguranças e apólices de
seguros para escritórios, não há pesquisas que consigam detalhar gastos pagos
ilegalmente, como valores pagos a criminosos para evitar problemas.
“Devido à violência, empresas, pessoas, governos e toda
sociedade terminam gastando recursos com bens e produtos para segurança, em vez
de contratar trabalhadores, comprar máquinas ou buscar atividades para gerar
bem-estar”, diz o economista Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea e membro do
conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Um estudo de 2018 da Federação das Indústrias do Estado do
Rio de Janeiro (Firjan), com empresários fluminenses, apontava que eles
estimavam os seus custos de prevenção superiores às perdas já sofridas com a
criminalidade. Gastos diretos das empresas O setor de segurança privada
movimentou R$ 36,3 bilhões em 2021, segundo a última estimativa da Federação
Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores (Fenavist). Ele
engloba 4.804 empresas e emprega 485 mil vigilantes privados, segundo dados de
2023 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Outro setor que serve de termômetro da preocupação das
empresas com a violência é o de seguros. Duas categorias bastante consumidas
pelas empresas são as de seguros de transportes, que arrecadou R$ 5,3 bilhões
em 2023, e a de seguros empresariais, que movimentou R$ 3,9 bilhões, segundo a
Confederação Nacional das Seguradoras.
As indenizações pagas, no ano passado, também foram
bilionárias. As seguradoras desembolsaram R$ 2,6 bilhões em transportes e R$
1,7 bilhão por incidentes empresariais. Dono de uma transportadora de
combustíveis, Márcio Takao estima gastar por ano cerca de R$ 30 mil em serviços
de seguro ambiental, de carga e do caminhão, além dos custos com equipamentos
de monitoramento em tempo real, câmeras de segurança e outros itens para
conseguir trafegar com a produto que leva para abastecer os postos na região
noroeste do Estado. “Pagar esse serviço custa muito caro. Às vezes, algumas
empresas preferem perder um caminhão ou dois no ano do que pagar o seguro de
toda a frota”, diz.
No ano passado, a contratação de seguros patrimoniais
cresceu 18,7%. “Esse crescimento não é normal. Tem a ver com o crescimento da
economia, mas também com a percepção de riscos que as empresas têm de sofrerem
com eventos climáticos ou com segurança”, afirma o presidente da comissão de
riscos patrimoniais massificados da Federação Nacional de Seguros Gerais
(FenSeg), Jarbas Medeiros.
Segundo ele, os estabelecimentos mais visados e que mais
precisam contratar seguros são comércios, concessionárias, estacionamentos
(ambos devido a roubos de carros), postos de gasolina, hotéis e motéis,
restaurantes e até academias de ginásticas. Os roubos hoje são mais voltados a
produtos e equipamentos eletrônicos, e não existem muito mais casos de roubo de
dinheiro, depois da digitalização dos pagamentos, que acontecem principalmente
por meio de cartões e por PIX.
Quanto aos seguros de cargas, esse é um custo obrigatório,
já que cada caminhão, por lei, precisa ter apólice para risco de roubo e de
acidentes veiculares. Mas nem sempre é fácil contratar o serviço. Se, para
veículos que circulam pelas estradas do Sul e do Sudeste, rotas importantes
para a indústria, há muita concorrência, não é o que acontece em regiões fortes
do agronegócios.
Não retorno
“Temos um grande problema no setor de grãos. A maior parte
do transporte é feita por terceiros, não pelos produtores ou pelas
transportadoras. Então, o caminhão tem menos manutenção, e na alta safra
acontece muito desvio de carga e apropriação indébita”, diz o vice-presidente
da Comissão de Transportes da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg),
Marcos Siqueira. “No agronegócio, o risco é altíssimo.”
Por isso, segundo ele, se existem cerca de 40 seguradoras
que atuam em apólices de transportes, apenas cerca de cinco delas topam segurar
cargas de grãos, o que encarece o serviço. “O governo precisa investir em
segurança nas estradas e em infraestrutura melhor, incluindo sinal de
comunicação, para os rastreadores das cargas funcionarem pelo interior do País.
E as transportadoras precisam usar mais tecnologia”, afirma. “Os bandidos estão
na frente.”
Segundo Maria Silvia Bastos, o risco do Brasil é chegar num
ponto de não retorno, o que afetaria decisivamente o futuro do País. “Existe um
ponto de virada, que, se ultrapassado, a partir daí, ninguém acredita mais no
País, ninguém investe mais, e as famílias começam a tirar os recursos do País.”