Calor extremo nos EUA provoca prejuízos de bilhões que as seguradoras não cobrirão
Ondas de calor tornaram-se mais intensas, duram mais tempo e são três vezes mais frequentes do que há 60 anos
Valor Econômico - 22 de Julho de 2024As ondas de calor que castigam dezenas de milhões de americanos podem empenar telhados, secar colheitas, deformar o asfalto de ruas e estradas e interromper o fornecimento de eletricidade. Muitos desses danos são difíceis de quantificar – e não são cobertos por seguros. Hoje, as cidades, as agências reguladoras e as empresas começaram a soar o alarme sobre os custos cada vez maiores das ondas de calor, que causam prejuízos de dezenas de bilhões de dólares todos os anos.
“O calor extremo não é apenas um fenômeno climático”, disse
Ricardo Lara, comissário de seguros da Califórnia, depois de publicar, este
mês, um relatório sobre o impacto econômico e humano das ondas de calor. “É um
desastre silencioso e progressivo que causa devastação para a saúde, a economia
e a infraestrutura.”
Segundo dados do governo americano, as ondas de calor
tornaram-se mais intensas, duram mais tempo e são três vezes mais frequentes do
que há 60 anos. A expectativa é de que essa tendência de aumento persista, já
que as mudanças climáticas expõem mais áreas vulneráveis a temperaturas
recordes como as das últimas semanas.
As apólices de seguro padrão são concebidas para casos de
danos repentinos e acidentais, como os provocados por incêndios, tempestades e
roubos, e frequentemente não cobrem os efeitos do calor intenso, que podem ser
graduais. “O calor extremo leva a danos que muitas vezes se só se tornam
perceptíveis com o tempo”, afirmou Karen Collins, vice-presidente da associação
representativa do setor American Property Casualty Insurance Association.
Um relatório de março da corretora de seguros Aon estima que
só nos setores de agricultura e construção dos Estados Unidos as perdas em
produtividade causadas pelo calor extremo ficam em torno de US$ 100 bilhões por
ano.
Lesões em trabalhadores
Um dos danos possíveis é um salto no número de lesões
sofridas por trabalhadores em dias de calor escaldante. Por exemplo: de acordo
com o Workers Compensation Research Institute, a quantidade de lesões sofridas
por trabalhadores da construção civil cresce em 20% quando a temperatura passa
dos 35 graus Celsius, em comparação com dias mais amenos.
O calor também pode prejudicar a qualidade das safras e
reduzir seu volume, perdas que podem não ser aparentes até o momento da
colheita. Um programa federal de seguros cobre prejuízos causados pelo calor no
caso de alguns tipos de culturas, mas não no de certas frutas e vegetais, como
melancias, abóboras e alfaces.
A indústria manufatureira também é afetada duramente pelo
calor extremo, que pode dificultar ou mesmo impedir o funcionamento de máquinas
e tornar necessária a adoção de mais pausas para os trabalhadores durante a
jornada.
O estudo da Califórnia sobre sete ondas de calor estimou que
elas custaram ao setor mais de US$ 700 milhões em termos de produtividade
perdida. E muitas vezes as empresas descobrem que têm poucas formas de
recuperar esse tipo de perdas.
Seguros paramétricos
Uma opção que é proposta cada vez mais a empresas e governos
locais é a de apólices em que as indenizações dependem da temperatura. Esses
seguros, conhecidos como paramétricos, são basicamente uma aposta sobre até que
ponto o calor chegará e permitem que as empresas se protejam de riscos que
apólices tradicionais dificilmente cobrem.
Indenizações que dependem de temperatura são usadas por
empresas de serviços públicos e outros tipos de empresas de energia já faz
algum tempo, segundo Cole Mayer, diretor-gerente da Aon. Mas ele disse que a
Aon percebeu um aumento do interesse por essas apólices da parte de outros
setores, como o da construção e o agrícola. “Nós mal começamos a arranhar a
superfície, em termos de utilização dessa ferramenta”, afirmou Mayer.
De qualquer forma, as ondas de calor são mais previsíveis do
que outros desastres naturais. Segundo Ted Lamm, diretor associado do Centro de
Direito, Energia e Meio Ambiente da Universidade da Califórnia em Berkeley,
isso pode tornar a cobertura de um seguro cara, em comparação com apenas
reservar dinheiro para pagar pelos custos adicionais. “Se já se sabe que a cada
verão Phoenix sofrerá com um certo número de dias em que as temperaturas
chegarão a 32 graus Celsius ou mais, não há muito valor em fazer seguros para
esse risco.” Mesmo assim, ele acredita que as apólices poderiam beneficiar
empresas que se veem diante de uma determinada combinação de riscos.
Os danos provocados pelo calor também podem levar a perdas
significativas para as seguradoras, mesmo que de forma indireta, por causa de
pagamentos de indenização acima do esperado. Se temperaturas abrasadoras levam
a rachaduras ou deformações nas telhas, por exemplo, isso poderia tornar os
telhados mais suscetíveis a vazamentos ou danos provocados pelo vento. No
último caso, são danos que costumam ser cobertos pelos seguros residenciais. Da
mesma forma, o calor extremo pode rachar fundações, deformar esquadrias de
janelas e agravar a proliferação de mofo.
O superaquecimento dos motores dos automóveis também pode
causar avarias, e implicar um aumento nos pedidos de assistência no local ou
reboque para as seguradoras. O impacto de longo alcance das ondas de calor mais
graves significa que elas representam um risco expressivo para o setor de
seguros, na avaliação de David Flando, chefe de análise do setor na corretora
de resseguros Howden Re. “O calor extremo tem impactos sobre a infraestrutura,
sobrecarrega os sistemas de eletricidade, põe em risco a agricultura e aumenta
o risco de outros desastres naturais”, disse ele.