Fase 4 do Open Finance foca em investimentos, seguros, previdência privada e câmbio
Compartilhar os dados cadastrais e de transações atrelados
às contas bancárias, cartões e contratação de crédito para, em troca, receber
propostas com melhores produtos, taxas e serviços. A ideia arrojada trazida
pelo ecossistema do open finance (sistema financeiro aberto) está mais popular
entre a população bancarizada e ajuda a preparar o terreno para o que vai se
consolidar em 2023: o compartilhamento de informações dos produtos de
investimentos.
Só na primeira metade de 2022, foram mais de 6,7 milhões de
consentimentos dados por clientes que, por opção, escolhem dividir o histórico
de comportamento de conta, de cartão, e de crédito. No segundo semestre, o
percentual de pedidos cresceu cerca de 40%, de acordo com o Comitê do Open
Finance Brasil, que reúne mais de 800 instituições e 11 associações de setor.
O cartão de visitas da chamada fase 4, que envolve
informações e dados de investimentos, seguros, previdência privada e câmbio, já
foi apresentado, ainda que de forma um tanto quanto tímida. O anúncio da parte
mais burocrática foi em dezembro de 2021, e envolvia só os prestadores de
serviços. O cronograma previa que a partir de maio de 2022, o cliente entraria
no jogo e, sob a expressa autorização dele, a sua rotina de investimentos seria
compartilhada com os bancos participantes, visando receber propostas de
melhores condições em serviços e produtos.
Mas, na vida prática do investidor, o processo vai demorar
mais um pouquinho para chegar. “À luz do programa open finance, a habilitação
do cliente para a fase de compartilhamento de dados sobre investimentos será em
2023, diz Elcio Calefi, diretor de tecnologia e operações do Comitê do Open
Finance Brasil.
O cronograma do open finance sempre foi tema de debates,
dado os prazos para o tamanho do desafio do projeto. Com atualizações de
funções da fases 2 e 3 (uma nova versão do compartilhamento de informações de
conta, cartão e crédito acaba de entrar no ar e está prevista uma nova versão
voltada aos iniciadores de pagamentos), o calendário ficou ainda mais apertado.
Calefi comenta que essas melhorias no ecossistema também vão
se refletir positivamente para o funcionamento da fase de produtos não
bancários. Para visualizar os efeitos da promessa, basta pensar que, para o
usuário, a dinâmica da fase 4 será a mesma da fase 2: dar o aceite para que as
instituições se conectem diretamente às plataformas e acessem os dados
autorizados.
“Temos um cronograma e o desejo de fazer tudo o mais rápido
possível, mas a preocupação central é a qualidade do que se está entregando”,
comenta Leandro Vilain, diretor executivo de Inovação, Produtos e Serviços
Bancários da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). ”A recepção de milhares
de informações, como acontece no open finance, exige que vários processos sejam
olhados com cautela. Os bancos estão numa fase de aprendizado das formas de
conexão e da qualidade do dado que chega”, diz.
Além da parte operacional, para que os produtos não
bancários entrem na ciranda do open finance, é preciso o olhar do Banco Central
(BC), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Superintendência de Seguros
Privados (Susep). Na mesa desses reguladores do ecossistema estão os projetos
das regulações necessárias para dar segurança aos usuários e ao próprio sistema
financeiro nacional.
Isso ajuda a explicar, em partes, porque apesar das
propagandas dos bancos falarem – numa mesma frase - em open finance e
investimentos, compartilhar os dados desses produtos não é possível na sua
forma completa. Com tudo isso em mente, a avaliação de Vilain, da Febraban, é
de que há chances da fase 4 ocorrer ainda no primeiro trimestre de 2023.
'Quando falamos da fase 4, há desafios adicionais, como
a parte educacional voltada a explicar o compartilhamento de um novo conjunto
de informações e, também, a parte de padronização que precisa ser implementada
para os produtos”, pondera Thiago Pontes, coordenador de open finance e API da
XP.
O desafio de fazer essa engrenagem funcionar é acompanhado
da necessidade de agradar o usuário, observa Gabriel Pereira, gerente de
comunidade na Finansystech, empresa que oferece tecnologia para mais de 30
instituições financeiras que desejam participar do open finance. Pereira
destaca que um desafio comum é mapear qual o benefício mais desejado pelo
cliente: se um retorno puramente financeiro ou ter uma jornada mais fácil na
hora de acessar produtos bancários e não bancários. Há ainda o fator
tempestividade.
“Uma coisa é o benefício e a outra é a personalização do
produto a partir da dor pessoal. Mas tudo isso só acontece quando o cliente
‘entrega’ o dado’. A partir disso, em quanto tempo ele terá a resposta? Para um
crédito imobiliário, ele pode aceitar esperar. Mas para contratar um cartão, o
senso de urgência é muito maior”, analisa Gabriel Pereira, que também é criador
da newsletter Let's Open.
Para ele, parte da resposta para melhorar a experiência de
consentimento é o avanço da identidade digital no ecossistema financeiro. “Na
medida que a identidade digital se consolidar, ela vai ser crucial para a
experiência e para diminuir a fricção. Com ela, o cliente pode compartilhar os
dados uma vez só, via sistema Gov.br, em vez de ter de compartilhar cinco vezes
com cinco bancos, por exemplo', explica.
O que já aconteceu até aqui?
Muita coisa aconteceu até aqui. Segundo o Comitê Open
Finance Brasil, 2022 é um ano em que grandes resultados foram alcançados mesmo
com os desafios de prazos e escopos a serem cumpridos. “A taxa de sucesso das
chamadas para compartilhamento se mantém alta, em 90%, o que indica uma
estabilidade. A população bancarizada ativa já fez mais de 10 milhões de
consentimentos, é um número muito relevante de pessoas permitindo a troca de
informações sobre conta, cartão e crédito”, comenta Elcio Calefi, do comitê
gestor do Open Finance Brasil.
De acordo com a Febraban, cerca de 400 milhões de chamadas
via Api, ou seja, quando as instituições financeiras se conectam para trocar
informações de dados cadastrais, movimentações de conta corrente e produtos de
empréstimo, estão sendo realizadas por semana.
“O número de chamadas já é maior do que o Reino Unido
registra no seu open finance em cinco anos. Cerca de 80% desse volume é gerado
por bancos que fazem parte da Febraban”, diz Vilain. A entidade foi uma
facilitadora para a troca de informações de produtos bancários. Uma estrutura
centralizada com cerca de 200 pessoas oferece suporte para que os bancos
consigam estabelecer as trocas necessárias para que as tecnologias de cada um
funcione.
Em paralelo, a tecnologia de iniciador de pagamentos do Pix
ganhou corpo e hoje já permite fazer pagamentos via Pix a partir do app de um
banco, mas usando saldo de outros bancos, sem precisar acessar diretamente a
instituição em que o dinheiro está guardado. Itaú Unibanco, Banco do Brasil,
Bradesco, Santander, Banco Inter são alguns dos que têm algum nível da
funcionalidade para pessoas físicas e jurídicas.
No final de outubro, a XP lançou o recurso que traz saldos
de outros bancos via Pix e começou a estender para toda a base de clientes a
opção de compartilhar informações para a elaboração das carteiras de
investimentos. Ou seja, quem tem dinheiro na poupança, por exemplo, pode
receber a recomendação de uma aplicação com melhor potencial de retorno. Além
disso, o cliente poderá agregar os investimentos e ter uma visão panorâmica da
carteira.
'Desde a fase 2, preferimos conhecer como o sistema
regulado funcionaria e entender a esteira de valor necessária para trazer algo,
de fato, alinhado ao cliente. Por isso começamos só agora a incluir toda a base
de clientes' diz Thiago Pontes, da XP.
A opção de fazer um Pix via WhatsApp também já está entre os
brasileiros. O Banco do Brasil, o primeiro grande banco a ser habilitado a
operar como instituição ITP (iniciador de transações de pagamento), anunciou no
final de outubro a possibilidade da operação por meio do aplicativo de
conversas. Conforme a instituição, 1,2 milhão de clientes compartilham dados de
outros bancos com o Banco do Brasil por meio do open finance.