Artigo: Quem vai pagar a conta das fraudes na saúde suplementar?
Por Fabiano Catran, diretor Institucional e de Clientes da
Seguros Unimed
Com um prejuízo operacional acumulado de R$ 11,5 bilhões em
12 meses, o maior em mais de duas décadas, segundo dados da ANS (Agência
Nacional de Saúde Suplementar), nunca se falou tanto em fraudes, embora não
tenham tido início apenas agora.
Nesse contexto, a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde
Suplementar) lançou uma campanha para conscientizar a sociedade sobre os
problemas e riscos que as fraudes representam a todo o sistema de saúde
suplementar. Entretanto, há uma outra palavra, ou conceito, que carece ser
debatida à exaustão, sobretudo diante desse cenário: mutualismo, que define as
bases de todas as operações de seguros.
O mutualismo é uma associação entre membros de um grupo no
qual as contribuições são utilizadas em prol dos próprios participantes. Ou
seja, está relacionado à união de esforços de muitos em favor aleatório dos
integrantes do grupo. Porém, mais do que saber o seu significado, é preciso
entender que não há nada que um beneficiário faça que não impacte todo o grupo,
composto pelos mútuos.
A quebra do mutualismo, em outras palavras, pode indicar que
qualquer fraude cometida será dividida, ou melhor, impactar, todos os segurados
de um determinado grupo. Os riscos e prejuízos decorrentes das fraudes afetam a
todas as empresas do setor, sejam seguradoras, clínicas ou hospitais, que podem
colapsar e deixar de prestar um serviço valioso à sociedade e ao próprio
segurado, que terá que arcar com o prêmio mensal mais alto como consequência do
uso indevido ou fraudulento do seguro saúde por alguns.
Evidentemente, já há leis e meios que nos permitem punir os
fraudadores, seja na instância cível ou criminal. Mas o impacto causado na
quebra do mutualismo diante do mau uso dos planos de saúde por fraudadores é o
que precisa ser combatido, sob risco de se colocar todo o sistema de saúde em
risco.
A pandemia de Covid-19 ampliou o número de
segurados/beneficiários de planos de saúde, que hoje totalizam mais de 50
milhões de pessoas, mas tal aumento em nada garantiu o retorno de um resultado
melhor às operadoras e seguradoras de saúde, muito pelo contrário. As fraudes
estão corroendo uma atividade essencial à sustentabilidade da saúde da
sociedade, inclusive em apoio ao SUS. O que seria motivo para comemoração,
segue, portanto, em sentido inverso: as operadoras e seguradoras de saúde
registraram prejuízo operacional de R$ 5,5 bilhões nos últimos três meses de
2022, de acordo com a ANS.
No entanto, o rombo é ainda maior. Dados do IESS (Instituto
de Estudos de Saúde Suplementar) apontavam, já em 2017, para valores superiores
a R$28 bilhões com gastos das operadoras médico-hospitalares do país com contas
hospitalares e exames consumidos indevidamente por fraudes e desperdícios com
procedimentos desnecessários, muitos deles falsamente lastreados em brechas e
permissivos decorrentes de novos marcos legais e/ou regulatórios. Resultado: as
contas simplesmente não fecham.
Esse movimento tem feito com que as seguradoras e operadoras
de saúde, dia a dia, se empenhem em demonstrar o quão lesivas são as fraudes.
As companhias estão investindo cada vez mais em tecnologias de reconhecimento
facial e vocal, entre outros recursos, tudo com o propósito de garantir um
adequado acesso do segurado ao serviço/produto contratado. A fim de coibir a
contratação ou utilização fraudulenta, tem-se que a Inteligência Artificial é
utilizada no cruzamento de dados, até mesmo entre as seguradoras e operadoras
de saúde.
Quem irá pagar por tudo isso? Todos. As operadoras arcarão,
até onde puderem, pois cerca de 80% delas são de pequeno porte, com prejuízos
consecutivos, porque os recursos são finitos; e os beneficiários, que,
possivelmente, não conseguirão pagar as despesas de um plano médico, dentre
outros participantes desse sistema de saúde suplementar.
Ao fechar as portas, as operadoras deixam de dar atendimento
e suporte à saúde de um grande contingente de pessoas, numa ponta, e, na outra,
colocam ‘na rua’ um grande contingente de médicos, colaboradores, corretores,
parceiros, dentre outros profissionais ligados à rede assistencial.
Portanto, falar sobre ameaças à sustentabilidade do negócio
das operadoras e seguradoras de saúde deveria servir de alerta a todos os
envolvidos: seguradoras/operadoras, beneficiários, corretores, hospitais,
clínicas, laboratórios e, ainda, o sistema público de saúde. Mesmo com a
relevância do SUS, o que ficou patente durante a pandemia, evidente a
relevância da saúde suplementar, ainda mais num país com mais de 200 milhões de
habitantes, sendo que destes, 33,3 milhões não têm qualquer acesso à saúde
básica. Isso deveria ser, no mínimo, preocupante. Ou ainda há dúvidas de que o
SUS não suportaria mais 50 milhões de pessoas?