Seguradoras veem cenário favorável em 2024
CNseg prevê crescimento de 11,7%, no quarto ano seguido de expansão de dois dígitos. Executivos preveem um fluxo maior de investimentos, mas alertam para a questão das mudanças climáticas
Valor Econômico - 24 de Janeiro de 2024O setor de seguros no Brasil vai manter o crescimento de dois dígitos em 2024. Segundo a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), o mercado deve avançar 11,7% neste ano. Se a previsão da entidade se confirmar, será o quarto ano seguido de expansão do segmento acima de 10%. A arrecadação da indústria de seguros tem subido no ritmo de dois dígitos anuais desde 2021, quando teve expansão de 11,8% ante 2020. O movimento recupera a desaceleração vista no primeiro ano da pandemia, quando o setor fechou com avanço de 1,3%, afetado pelas medidas de combate à covid-19
Em 2023, o segmento apresentou expansão de receitas de
10,4%, nas estimativas da CNseg, com um faturamento de cerca de R$ 410 bilhões,
sem considerar a saúde suplementar. No total, se for incluído esse segmento, a
confederação calcula que as receitas tenham alcançado R$ 663 bilhões.
O resultado do ano passado ainda não está fechado, pois
faltam os números de dezembro, que serão divulgados pela Superintendência de
Seguros Privados (Susep) em fevereiro. Os dados consolidados de janeiro a
novembro do ano passado mostram um avanço acumulado de 8,9%, o que representa
arrecadação de R$ 351 bilhões, desconsiderando saúde suplementar. No período, o
setor devolveu aos usuários R$ 207,3 bilhões na forma de indenizações,
benefícios, resgates e sorteios.
O tom do setor em geral é de otimismo para 2024. Queda de
juros, inflação controlada e mercado de trabalho aquecido aumentam a demanda
por produtos de seguro tanto entre as pessoas físicas quanto empresas. “Apesar
das turbulências no início, 2023 foi um ano positivo para o setor e este ano
será ainda melhor”, afirma o presidente da CNseg, Dyogo Oliveira. “Para todo lado vejo ‘drivers’ favoráveis de
crescimento”, complementa o dirigente. “Vemos, no Brasil, massa salarial
crescendo, juros em queda e um conjunto de fatores positivos para a economia
brasileira neste ano.” Além disso, “a inflação está desacelerando no mundo, a
economia americana está bem e, em algum momento, os EUA vão começar a cortar
juros”.
Para Oliveira, “como o mercado se antecipa, a tendência é
haver fluxo de investimentos maior aos emergentes, o que ajuda a segurar a volatilidade
do câmbio e traz alívio de pressões inflacionárias.” “O ano de 2023 foi um bom
período para a indústria de seguros no país”, avalia. “Houve uma recuperação no
ano passado e o mercado brasileiro foi muito resiliente, comparado, por
exemplo, com a Europa”, afirma. Na visão do executivo, o mercado brasileiro
conseguiu se reposicionar bem após a pandemia.
“O ano de 2023 foi uma espécie de colheita após um período
de rebalanceamento do mercado [em 2022]”, afirma o CEO da HDI no Brasil,
Eduardo Dal Ri. “O setor tinha de reposicionar suas margens [após o impacto da
inflação e da pandemia]. Agora, em 2024, o mercado vai consolidar essa
estratégia e voltar um pouco mais a sua vocação original que é esse olhar ainda
mais atento as necessidades dos clientes.”
Na avaliação do CEO da Porto Seguro, vertical de seguros do
grupo Porto, Rivaldo Leite, o desempenho do ano passado superou as
expectativas, que já eram positivas. O executivo diz que, para 2024, enxerga
“uma sequência de tudo isso”. A expectativa é boa e o país está “em momento
oportuno”, afirma.
De acordo com a CNseg, entre “janeiro e novembro de 2023, os
maiores aumentos de arrecadação ficaram por conta de dois ramos da modalidade
patrimonial: o seguro condomínio, que avançou 33,3%, totalizando R$ 611
milhões, e o pecuário, com alta de 27,2% e faturamento de R$ 1,4 bilhão. Outro
ramo de destaque foi o de grandes riscos, voltado a proteção de patrimônio
acima de R$ 15 milhões, que avançou 25,8% para uma receita de R$ 7,1 bilhões.
Os seguros garantia, por sua vez, tiveram alta de 20,3% e arrecadaram R$ 5,2
bilhões em 11 meses. Duas categorias tradicionais, auto e vida, registraram
expansões de dois dígitos.
As apólices para veículos faturaram, segundo levantamento da
CNseg, R$ 50,6 bilhões, com crescimento de 10,7%. Já as de vida atingiram R$
27,5 bilhões, o que representa expansão de 12,4%. Em termos de indenizações e
benefícios pagos em 2023, o seguro de crédito aparece em primeiro, com a maior
taxa de avanço, impactado por eventos como as recuperações judiciais de grandes
grupos empresariais, como Americanas, Light e Grupo Petrópolis. A modalidade
registrou alta de 157,7% e R$ 1,7 bilhão de desembolsados por parte das
seguradoras. Na sequência, aparecem o seguro pecuário, que registrou elevação
de 56,2% e R$ 792,5 milhões em indenizações, e os riscos de engenharia com alta
de 44,8% e pagamento de R$ 589,4 milhões.
Executivos do setor dizem que parte do otimismo em relação
ao atual período vem da percepção de que eventos pontuais negativos não venham
a ocorrer neste ano. O CEO da Generali aponta como exemplo a crise gerada pela
descoberta da fraude contábil das Americanas. “Temos muitas parcerias [de
distribuição de seguros] com varejistas, que sofreram com o cenário
macroeconômico mais difícil e a crise das Americanas”, diz.
Oliveira, da CNseg, cita ainda o setor rural, que teve no
início de 2022, a maior seca em décadas “Vemos o setor de seguros com
crescimento bom de receitas e pagamento de indenizações bem comportado. Houve,
no passado recente, eventos com influência grande na sinistralidade, como o
rural “que, em 2022, gerou mais de R$ 10 bilhões em indenizações.”
Dal Ri, da HDI, acrescenta que efeitos do cenário
macroeconômico ainda desafiador ao longo de 2023 vão ter menos efeito neste
ano. “Por exemplo, tivemos menos vendas de veículos financiados no ano passado.
No mercado, entre automóveis e utilitários novos e usados, somamos 14 milhões
de veículos comercializados em 2023. Mas, quando a melhora do crédito para a
população, com melhora de ‘scores’ [notas de crédito], se consolidar, as vendas
podem subir para algo entre 15 milhões e 16 milhões de veículos. A redução de
juros impacta o Brasil de forma muito virtuosa.”
O CEO da Porto Seguro, no entanto, chama a atenção para
variáveis que trazem preocupações. As mudanças climáticas, por exemplo, se
mostram um dos principais fatores de incertezas. “Olhando o lado climático tem
uma luz amarela”, diz. “No ano passado, o mercado sofreu com as enchentes em
fevereiro. Estamos acompanhando de perto essa situação do clima com estudos e
contato com órgãos especializados. É uma preocupação que vem aumentando.”
Na visão de Crisanaz, da Generali, “o tema de fenômenos
climáticos preocupa”, porque têm sido vistas diversas situações fora do padrão,
caso das recentes chuvas no Rio e em São Paulo”. De acordo com o executivo,
“apesar do aumento da frequência de eventos, o cenário alimenta a ideia de que
é necessário ter uma cobertura”.
O presidente da CNseg reforça a percepção das empresas. “O
tema de mudança climática tem sido objeto permanente de preocupação da
indústria de seguros no mundo inteiro”. Para o dirigente, uma questão
importante se refere às mudanças de padrões históricos. “Os modelos que o setor
usa [para avaliar os riscos] são “baseados em dados históricos e a mudança
climática quebra o comportamento histórico. Em certa medida, a capacidade de se
prever riscos climáticos diminuiu nos últimos anos.”
A CNseg apresentou em outubro do ano passado a proposta de
criação de um seguro para catástrofes no Brasil. A entidade propôs um
substitutivo ao projeto de lei 1.410/22 da deputada federal Tabata Amaral
(PSB-SP), que já está em tramitação na Câmara dos Deputados.
A confederação sugeriu a implementação de uma espécie de
seguro social, financiado por uma taxa de R$ 2 cobrada nas contas de energia. O
projeto prevê pagamento quase imediato de indenização às vítimas de
catástrofes, como inundações e deslizamentos. Um valor de até R$ 15 mil seria
creditado aos beneficiários por meio do Pix um dia após o evento.
“No Brasil, a cada ano temos tido mais enchentes e
inundações e o país nunca está preparado para lidar com essas situações”,
pondera Oliveira. “É uma forma de as vítimas mais vulneráveis terem proteção
financeira diante de uma catástrofe”, diz.
Outra iniciativa foi firmada pela CNseg e o ICLEI,
associação mundial de governos locais e subnacionais voltada ao desenvolvimento
sustentável, no início do ano. O “compromisso se refere ao projeto “Mecanismo
de Seguro para Infraestruturas Urbanas”. A parceria visa criar um programa de
seguros de suporte a municípios em caso de desastres climáticos. O projeto
contará com subsídio do Banco Alemão de Desenvolvimento (KfW) e será
implementado inicialmente em Belo Horizonte (MG), Recife (PE) e Salvador (BA).
“Esses seguros vão garantir a infraestrutura de municípios, além de prédios
públicos, estradas, pontes e outras estruturas”, afirma Oliveira.