Caso Americanas tornou risco de crédito palpável, diz Allianz Trade
Para CEO nas Américas, demanda por proteção deve crescer nos próximos anos com juros altos e insolvências
Valor Econômico - 08 de Novembro de 2024A descoberta de um rombo contábil na Americanas, que impactou o mercado de crédito no início de 2023 e ainda gera repercussões, fez os brasileiros compreenderem que o risco de crédito é real, segundo James Daly, CEO da Allianz Trade nas Américas, em entrevista ao Valor. Para ele, a demanda por seguros de crédito deve crescer no país no próximo ano, diante do cenário de juros elevados e o aumento previsto de insolvências corporativas.
“No caso da Americanas, cobrimos parte das perdas dos nossos clientes, mas muitas outras empresas não tinham seguro de crédito e ficaram em uma situação difícil. Como consequência, a procura pelo seguro aumentou, pois, de repente, as empresas perceberam que esse risco é concreto”, afirmou Daly. A Allianz Trade conta entre seus clientes fabricantes de eletroeletrônicos que forneciam produtos à varejista. Em geral, essas vendas não são pagas à vista, mas em prazos de 30 a 60 dias. O seguro de crédito, ou “seguro de contas a receber”, cobre o risco de não recebimento por insolvência ou inadimplência prolongada.
O sinistro relacionado à Americanas gerou um impacto de aproximadamente R$ 2 bilhões para o mercado de seguro de crédito no Brasil, afetando a Allianz Trade e outras seguradoras. No relatório de administração que acompanha os demonstrativos financeiros de 2023, a seguradora menciona, sem citar nomes, um “aumento substancial” na sinistralidade devido à recuperação judicial de uma grande empresa do setor de varejo, com perdas líquidas de R$ 1,2 milhão.
Neste ano, Daly observou um aumento no interesse por seguros de crédito, impulsionado também pela elevação nos casos de insolvência. “As taxas de juros estão muito altas e as companhias têm um volume expressivo de dívidas. Com o aumento dos juros, o serviço da dívida se torna mais difícil de sustentar”, explicou. “Vejo uma oportunidade de crescimento para o seguro de crédito no próximo ano, mas também prevejo um período mais desafiador em termos de sinistros, dada a situação econômica mais tensa.”
O ciclo de crescimento das seguradoras de crédito está intimamente ligado ao ciclo econômico, que pode aumentar ou reduzir a chance de falência das empresas. Daly avalia que, no Brasil, as condições econômicas são “saudáveis”, considerando fatores como desemprego e estabilidade política. No entanto, ele alerta para os riscos associados à taxa de câmbio e juros.
Um relatório da Allianz Trade, divulgado em outubro, prevê um aumento de 33% nas insolvências no Brasil em 2024, após um crescimento de 39% em 2023, refletindo a desaceleração econômica. Os economistas responsáveis pelo estudo acreditam que essa tendência de aumento nas insolvências deve persistir por pelo menos mais dois anos. Globalmente, a expectativa é de um crescimento de 11% nos casos de insolvência em 2024, após um aumento de 7% no ano anterior.
No Brasil, um dos maiores desafios do mercado segurador é a baixa adesão aos produtos. A Allianz Trade atua no país há 25 anos, mas mesmo após duas décadas, a penetração ainda é pequena em comparação com outras economias. “O Brasil está entre as dez maiores economias do mundo e é um país ativo em exportações e importações, o que deveria aumentar o interesse pelo seguro de crédito”, comentou Daly. Ele observa que, enquanto a penetração do produto na Europa é de 10% a 15%, no Brasil é de apenas 1%.
Para Daly, essa diferença se deve à falta de proximidade e entendimento do produto. “Nenhum empresário acorda pensando: ‘hoje vou comprar um seguro de crédito’. Porém, casos como o da Americanas e, mais recentemente, da AgroGalaxy, tornam o risco mais tangível”, afirmou. “O risco é real. Não é como se ele não existisse. De cada real que arrecadamos com prêmios, metade é destinada ao pagamento de sinistros”, referiu-se aos resultados globais da companhia.
No Brasil, a Allianz Trade dobrou seu lucro no primeiro semestre deste ano em comparação ao mesmo período de 2023, atingindo R$ 8,6 milhões. A emissão de prêmios cresceu 13% na mesma base, totalizando R$ 165,7 milhões. Em 2023, o lucro foi de R$ 8,8 milhões, 24% superior ao registrado no ano anterior, enquanto os prêmios aumentaram 48,6%, chegando a R$ 208,5 milhões.
Apesar disso, a participação do Brasil na receita global da Allianz Trade ainda é pequena. O faturamento global da companhia é da ordem de € 4 bilhões, enquanto no Brasil é de cerca de € 50 milhões. No entanto, a empresa triplicou de tamanho no país nos últimos quatro anos, o que pode indicar uma melhora no cenário.
Daly vê potencial de crescimento nas Américas, especialmente fora do Canadá, onde o mercado é mais restrito devido à atuação de seguradoras governamentais. “Na região da Ásia-Pacífico, muitos desses riscos são cobertos por seguradoras estatais. Já nas Américas, especialmente na América Latina, temos espaço para crescer”, explicou.
Parte desse crescimento depende do acesso a informações das empresas, um desafio em países como Brasil e México. “Para sermos bons seguradores de crédito, precisamos de informações detalhadas para analisar os riscos. Historicamente, é difícil obter dados de empresas privadas nesses mercados. No Brasil, apesar das dificuldades, estamos avançando no acesso a esses dados com o uso de novas tecnologias”, concluiu Daly.